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A “república das bananas”
Outrora, nos primórdios desta expressão idiomática, ao referirmo-nos às “repúblicas das bananas” fazíamos uma alusão literal aos países tropicais onde esta fruta era abundante e cuja economia se encontrava significativamente dependente de empresas estrangeiras - como a célebre americana Chiquita. Posteriormente, fruto da violência e da corrupção geradas, como nota o escritor colombiano e Nobel da Literatura (1982) Gabriel García Márquez em Cem Anos de Solidão, passámos a associar esta expressão a instituições fracas, corruptas e disfuncionais. Atualmente, utilizamo-la para conferir, de um modo indiscriminado, um tom depreciativo à forma de organização e funcionamento de algo.
Assim, tudo é uma “república das bananas”: o trânsito, a Assembleia da República, a casa da vizinha, a Procuradoria-Geral da República e por aí fora. Desta expressão surgem até autênticas derivações filosóficas, como a proferida recentemente pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, que argumenta que “não somos [Portugal] uma república das bananas, somos uma república de bananas”. Ora, embora o meu entendimento sobre bananas seja muito limitado, sobre repúblicas até percebo umas coisas, e parece-me inegável que em Portugal nos deparamos com uma autêntica “república das bananas”: a Madeira.
Com 25,2 mil toneladas de banana produzidas em 2023, esta cultura é, de facto, um símbolo da região e uma atividade importante para a economia local - aliás, quem visitar a ilha em período eleitoral deparar-se-á com inúmeros cartazes a reivindicar a valorização do trabalho dos produtores. Contudo, o que nos deveria mesmo abananar por completo são as três rondas de buscas, como nunca antes vistas, que ocorreram nesta Região Autónoma desde o início do ano.
Parece mentira - oxalá fosse -, mas, de forma verdadeiramente impressionante, no cerne dos três inquéritos em curso encontram-se ações do Governo Regional e do PSD-Madeira, ambos presididos por Miguel Albuquerque. Perante este cenário, paira a sensação de que estamos a abandonar deliberadamente esta região. Não sendo o caso, quando irá o primeiro-ministro e líder do PSD, ou o Presidente da República, abordar a perversidade da banalização da circunstância de ter um líder regional e os seus aliados mais próximos constituídos arguidos e envoltos em suspeitas infindáveis?
Poderá não ser incompatível do ponto de vista jurídico ser-se governante e arguido simultaneamente (assim como ser-se governante e ter cadastro). Não obstante, como não me farto de sublinhar, a ética deve ser considerada além das questões jurídicas, pois a redução constante da relevância ética dos problemas em detrimento da legalidade dos mesmos procederá ainda mais à destruição da confiança - já deficitária - dos cidadãos nos seus representantes e instituições.
Mais, o combate à corrupção é, por si, um trabalho um tanto ou quanto ingrato. Por um lado, dada a sua natureza obscura, é difícil de identificar as práticas corruptivas. Por outro, “apanhados” os infratores, não é simples fazer prova dos crimes tipificados na legislação em vigor, muito menos obter penas efetivas. Portanto, é essencial que saibamos zelar por aspetos mais tangíveis, como o reforço da confiança dos cidadãos nas instituições. E hoje não sabemos.
* Mestre em Desenvolvimento Internacional e Políticas Públicas Membro Fundador da All4Integrity
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS" - 22/09/24.
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