24/05/2021

JORGE FONSECA DE ALMEIDA

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Romualda Fernandes e 

o racismo institucional

É tempo da comunicação social refletir seriamente sobre como abordar o racismo e a discriminação. De organizar um grande debate que convoque as empresas, os jornalistas, as comunidades racializadas, os sindicatos e a academia. Para se preparar para o mundo da diversidade que é o contemporâneo.              

O insulto racista à deputada Romualda Fernandes, incluído em despacho noticioso da agência Lusa e, depois, reproduzido acriticamente por vários jornais de referência, é inadmissível e deve ter consequências sérias.

Junto-me a todos os que se solidarizaram com Romualda Fernandes e que ergueram a sua voz em seu apoio.

Os pedidos de desculpas são obviamente indispensáveis mas não chegam. Outras ações devem ser tomadas.

Primeiro, a punição exemplar dos responsáveis pela notícia e pela sua divulgação. Desculpas sem punição são convite a prevaricação.

Segundo, alterando radicalmente métodos de trabalho, atitudes, e formas de abordagem dos temas relativos ao racismo e às pessoas racializadas.

Este é um bom exemplo do racismo institucional. Porque o insulto veio cunhado com a legitimidade da agência noticiosa portuguesa, ele foi reproduzido por muitos, provavelmente por vários profissionais não racistas. O racismo institucional, o que radica nas instituições, nas regras escritas e não escritas de funcionamento das organizações, não precisa de indivíduos racistas para se concretizar. Ele só precisa de pessoas que cumpram as regras. Por isso ele é mais nefasto, mais invisível, mais maligno, mais cruel e mais eficaz.

Por isso ele exige de todos nós uma atitude antirracista. Isto é, exige uma atitude interessada, responsável, cívica, crítica e atenta. Para não sermos ingenuamente levados a fazer o que não queremos, o que colide com a nossa consciência, o que fere os outros.

A Lusa tem um Livro de Estilo com as regras que os seus jornalistas devem seguir. Seria bom que nomeasse uma comissão independente, com elementos das organizações antirracistas e especialistas da área, para o rever e melhorar.

Os órgãos de comunicação social que reproduziram a notícia também têm a sua quota-parte de responsabilidade no insulto. Eles repetiram-no, amplificaram-no e difundiram-no. Devem ponderar as suas regras de funcionamento, nomeadamente as relativas à reprodução de conteúdos de agências noticiosas. E aproveitar também para rever os seus Livros de Estilo, garantindo que conteúdos racistas não serão divulgados.

Por exemplo no seu Livro de Estilo a Lusa tem a seguinte regra "A Lusa não reproduz no seu noticiário referências estigmatizantes ainda que sejam produzidas pelas suas fontes". Eis uma boa regra geral. Mas para ser eficaz tem de estar traduzida em métodos de trabalho que a concretizem.

A diversidade é também importante na prevenção destes acontecimentos que destroem a reputação de qualquer agência noticiosa. Qual o grau de diversidade dos órgãos de administração e direção da Lusa? Qual o grau de diversidade do seu corpo de profissionais? Que diversidade têm os jornais que reproduziram o insulto? Se o despacho da Lusa tivesse sido recebido por um profissional negro dificilmente seria reproduzido acriticamente. A diversidade é, assim, também, uma defesa da reputação.

A formação é outro pilar importante. Quantos profissionais da Lusa tiveram formação sobre o tema das questões étnico-raciais e do racismo? Quantos dos que reproduziram o despacho a tiveram?

É tempo da comunicação social refletir seriamente sobre como abordar o racismo e a discriminação. De organizar um grande debate que convoque as empresas, os jornalistas, as comunidades racializadas, os sindicatos e a academia. Para se preparar para o mundo da diversidade que é o contemporâneo.

Para que insultos à deputada Romualda Fernandes se não repitam.

* Economista

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" - 18/05/21

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