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*Investigador universitário
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/11/19
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A estratégia de Macron
A longa entrevista de Emmanuel Macron à revista The Economist tem marcado a semana transatlântica. Houve quem elogiasse o desassombro e quem criticasse o alarmismo. Afinal, o que propôs Macron? E Portugal, deve seguir a sua estratégia?
A polémica entrevista de Macron à The Economist traz menos
novidade do que o alarmismo causado. O Macron-analista usa termos
apocalípticos para assegurar que as mensagens não passam ao lado da
torrente política internacional em curso, em que o impeachment intercala
com o Brexit, a morte do califa do ISIS com altas tensões comerciais,
ou a nova Comissão Europeia com a passada chinesa. Deste ponto de vista,
os dois objetivos principais foram alcançados. Por um lado, criou o
frisson necessário para recolocar Paris no centro do pensamento
estratégico europeu, no momento em que Londres está à deriva e Berlim
perdeu impacto. Por outro, obrigou a reações várias que antecipam
alinhamentos e dissonâncias de fundo. Mas foi o Macron-político quem
mais sobressaiu.
Macron é explícito sobre a viragem da administração Trump, num bullying a
aliados, à NATO e à ONU. É neste quadro de inversão com os compromissos
do pós-Guerra Fria que a França, segundo Macron, tem uma oportunidade: a
de forçar a autonomia da União Europeia na defesa, aproveitando o
desinteresse de Washington. A novidade está aqui e não na autonomia
europeia. Ela foi ensaiada ao longo da integração europeia, passando por
proclamações efusivas e pela aceitação da impotência. Por contextos que
motivavam um grupo mais alargado de aderentes e por momentos
geopolíticos que indiciavam a certeza do caminho. Por mais
complementaridade com a NATO ou por uma dissonância de interesses.
O
que é novo é o momento político atual e é por isso que Macron sobe a
parada, sentenciando a "morte cerebral" da NATO e propondo um "diálogo
com a Rússia".
A administração americana é dúbia sobre a importância da NATO, a
principal potência militar da UE (Reino Unido) na NATO está de saída da
primeira, e o aliado com o segundo maior Exército (Turquia) é
abertamente disfuncional na articulação com os restantes membros da
Aliança, o que cria uma pressão permanente à segurança coletiva expressa
no artigo 5.º do Tratado de Washington. Acrescem a isto um congelamento
sine die de novos alargamentos, a queda em desgraça das
missões "fora de área" e o congelamento da relação com a Rússia desde a
invasão da Crimeia, há cinco anos. Para Macron, este é o momento para
projetar a França no meio destas dinâmicas. Como? Sublinhando o seu
carácter de única potência nuclear na UE. Sinalizando a dinâmica imposta
na defesa europeia desde que chegou ao Eliseu, reconfigurando-a como
uma cooperação estruturada permanente, sem precisar de todos,
instituindo-lhe uma Iniciativa de Intervenção conjunta e um fundo capaz
de servir uma indústria mais moderna, mais capaz e mais credível.
A novidade na entrevista à The Economist está nos recados
enviados. Primeiro, a Washington: percebemos as legítimas opções, amigo
não empata amigo, seguiremos mais autónomos. Segundo, para Berlim:
reconhecemos os esforços, mas não têm sido suficientes nem de alcance
satisfatório, seguiremos mais líderes. Terceiro, para Londres: aceitamos
o divórcio, alertamos para o estado da NATO, mas queremos uma parceria
estratégica. Quarto, para Moscovo: vincamos as linhas vermelhas
ultrapassadas, percebemos a vossa lógica de poder, mas temos de saber
conviver para podermos lidar na Europa com a ascensão da China e todas
as ameaças comuns que proliferam na nossa vizinhança. O Macron que
começa analista e acaba político recupera todos os raciocínios clássicos
da cultura presidencial francesa. O facto de não ser inovador não
significa que nalguns pontos não esteja correto, nomeadamente na
salvaguarda da relação com o Reino Unido e na necessidade de dotar a UE
de maior credibilidade geopolítica pela via da defesa. Os dois pontos
mais frágeis dizem respeito a Berlim e a Moscovo.
Aos alemães, por lhes colocar novamente uma pressão contraproducente,
tendencialmente promotora de mais desagregação comunitária do que de
convergência. Isto é válido para a defesa, mas também para a zona euro e
para as linhas vermelhas ultrapassadas por alguns Estados membros, como
a Hungria, sobre a qual Macron é acrítico. Recordo que Macron já havia
colocado Merkel sob tensão quando enunciou o seu roteiro de reformas do
euro logo após as legislativas alemãs de 2017, sabendo que Berlim não
tinha condições de acompanhar o que quer que fosse sem um governo
formado, o que levou seis meses a acontecer. O momento em Berlim é hoje
de enorme fragilidade na coligação, com o fardo do arrefecimento
económico a impactar a zona euro e uma disputa pela liderança no SPD.
Dificilmente a Alemanha se juntará às dinâmicas europeias exigidas por
Macron se sentir uma pressão absolutamente incomportável como a que
resulta da entrevista à The Economist.
Aos russos, porque Macron é absolutamente condescendente com o
Kremlin. Não há uma condenação às intromissões nas eleições ocidentais
(vamos ver como evolui o dossiê de possível conluio com os conservadores
britânicos), uma vontade pelo cumprimento dos acordos de Minsk, uma
valorização da política de sanções da UE, nem mesmo a recusa em pactuar
com a vitimização que Moscovo usa para criar a ilusão de cerco da NATO
às suas fronteiras. A verdade é que o total da fronteira russa é de 20
mil km (14 Estados), sendo apenas de 1250 km com membros da NATO
(cinco), além de que os alargamentos a leste foram uma legítima,
soberana e acertada decisão dos Estados que passaram a integrar a
Aliança. Para premiar a Rússia de Putin, o verdadeiro infrator nesta
história, Macron abriu entretanto as portas do Conselho da Europa e
vetou o início das negociações de adesão da UE com a Albânia e a
Macedónia do Norte. O que propõe agora é voluntarista, não assegura
nenhum nível de confiança dado pelo Kremlin, e apenas premeia com um
apaziguamento cínico um regime que viola a soberania de terceiros em
eleições, invade território soberano e mata opositores políticos.
Ninguém defende um corte com a Rússia, mas não é desculpabilizando o
regime de Putin que se torna a Rússia um parceiro confiável e duradouro.
Seja
Macron-analítico ou Macron-político, ficou clara a sua estratégia: ter
os americanos fora, os alemães em baixo e os russos dentro. Portugal não
deve alinhar nisto.
*Investigador universitário
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
16/11/19
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