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Bodo aos ricos
"A eliminação das propinas - de resto, de valor reduzido - não vai aumentar só por si a frequência do ensino superior."
1. Embora a Geringonça parlamentar tenha
começado por congelar as propinas no ensino superior público e depois as
tenha reduzido no orçamento para o corrente ano, nada fazia esperar uma
medida tão radical como o anúncio da sua eliminação a prazo, por
iniciativa do próprio governo, numa “fuga para a frente” de claros
contornos eleitoralistas, tanto mais que isso não consta nem do programa
do atual governo nem do programa do PS.
Sucede, aliás, que a abolição de propinas é, antes de mais, um prémio
aos ricos e à base social da elite política, que assim ficam dispensados
de qualquer contribuição para aquilo que é essencialmente um
investimento pessoal em melhor emprego e melhor remuneração. Trata-se de
uma supina iniquidade fazer pagar o ensino superior por quem o não
frequenta – ou seja, as pessoas de menores rendimentos – ou, pior ainda,
pelos estudantes do ensino superior privado, que assim pagam duas
vezes.
2. Ao contrário do que se argumenta, visto
que os principais obstáculos económicos estão ligados às despesas
associadas (alojamento, alimentação, livros, etc.). São as bolsas de
estudo e não a ausência de propinas que podem aumentar a frequência de
ensino superior por quem padece de dificuldades económicas.
Ora, além de pôr em causa a autonomia financeira das instituições de
ensino superior, tornando-as mais dependentes dos orçamentos do Estado,
dos ciclos políticos e das idiossincrasias governativas, a abolição de
propinas só vai privar as instituições de ensino superior e o Estado de
muitas centenas de milhões de euros, que bem poderiam servir para
reforçar as bolsas de estudo, o alojamento estudantil e a ação social
escolar, que, essas sim, deveriam ser a prioridade de uma política de
aceso ao ensino superior. Uma medida contraditória, portanto.
3. Não se compreende que enquanto os cuidados de saúde no SNS – que é
universal – estão sujeitos a taxas sobre quem as pode pagar, o ensino
superior público – que é acima de tudo um investimento pessoal e está
longe de ser universal – seja isento de qualquer contribuição dos
beneficiários e passe a depender exclusivamente dos contribuintes. Uma
contradição óbvia!
Não basta invocar as “externalidades” sociais positivas do ensino
superior, em termos de capacidade económica do país, para justificar a
sua gratuitidade absoluta. Por essa ordem de ideias, os transportes
públicos, cujas externalidades positivas não são menores (pelo
contrário), também deveriam ser gratuitos.
Em período de vacas gordas, é fácil aumentar a despesa pública e reduzir
a receita do Estado. Mas essa pode ser uma opção temerária, para não
dizer irresponsável, quando parece óbvio que os ventos económicos estão a
mudar e que a cornucópia tributária dos últimos anos pode estar em vias
de esgotar.
* Professor da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusíada Norte
IN "DINHEIRO VIVO"
12/01/19
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