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Se...
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É aqui, neste mar de possíveis onde navegamos, que se instaura o maior drama do ser: a escolha
Isto
de escrever de mês a mês tem os seus contratempos. Muitos, por sinal,
se se atentar ao facto de que muitas vezes, na hora de opinar, se chega
sempre tarde aos acontecimentos. Ou porque, simplesmente, já aconteceram
há algum tempo ou porque, pior ainda, já foram tão glosados que pouco
ou nada de interessante se lhes pode acrescentar. Tudo o que se possa
dizer é como que um chover no molhado que assusta qualquer cronista e,
sobretudo, lhe rouba, à partida, o rasgo de genialidade que, sejamos
sinceros, se procura com afã nestas questões de pensamento e de escrita.
Se
calhar por isso, por essa necessidade de recriar o lugar comum em busca
do que ainda não foi dito num mundo que esgota as palavras até à
exaustão, dei por mim a revisitar setembro na ânsia de nele encontrar
assunto para esta minha prosa. Não que tenha andado desatenta em tempo
real, mas porque há sempre algo que, no meio do sensacionalismo
mediático, nos surpreende e obriga a um olhar mais vagaroso e
necessariamente mais consciente e humanista sobre os factos. São eles,
os factos, que nos apanham desprevenidos e nos impõem novas perspetivas,
fazendo-nos pensar e perceber que tudo é frágil e incerto numa
existência grávida de possibilidades. E é aqui, neste mar de possíveis
onde navegamos, que se instaura o maior drama do ser: a escolha. O homem
é, de facto, apenas possibilidade. Cria-se a si mesmo e fá-lo
escolhendo-se e escolhendo os seus possíveis. Elegemos ser o que somos e
definimo-nos como pessoas através do que elegemos. Nisso radica a nossa
liberdade e o que fazemos dela. Se um dia Amélia Fialho, a professora
do Montijo assassinada há três semanas, não tivesse escolhido ser mãe,
provavelmente estaria neste preciso momento a preparar as suas aulas de
Físico-Química; se Diana Fialho, a suposta mentora do crime, não tivesse
escolhido o acesso fácil e imediato à herança da progenitora, poderia
se calhar estar agora a programar descontraidamente o passeio de
domingo; se Iuri Mata, cúmplice confesso do homicídio, não tivesse
escolhido Diana Fialho como companheira, talvez estivesse hoje a tratar
da contabilidade de uma qualquer empresa sem mais preocupações; se Rosa
Grilo e António Joaquim, por sua vez, tivessem escolhido assumir a sua
relação amorosa e as consequências daí decorrentes sem qualquer tipo de
ganância, possivelmente não seriam hoje notícia e Luis Grilo, o
triatleta assassinado, seria só mais um divorciado entre os muitos que
por aí andam.
É nesta cadeia infindável de ses que a vida se
constrói e desafia o homem, comprometendo-o consigo próprio e com os
outros através da exigência permanente de uma integridade inata que não
se compadece com as contingências que nos tornam tão diferentes uns dos
outros. Pouco importa se se nasceu em berço de ouro ou num bairro
social, se a formação é básica ou superior ou até se se é crente,
agnóstico ou ateu. Somos seres em permanente construção, inacabados na
nossa essência e, por isso mesmo, suscetíveis de a qualquer momento
fazer a escolha que nos reinventará para o bem ou para o mal numa
espécie de reset sem retorno.
Surpreende-me, por isso, a ousadia
altiva de quem julga estar imune à escolha errada, predispondo-se
sempre, e sem hesitar, a apontar o dedo ao outro. Esquece-se,
certamente, que a qualquer momento as suas próprias escolhas ou as dos
que ama o podem conduzir aos píncaros da felicidade ou ao mais profundo
dos infernos. Compreendê-lo não significa desculpabilizar e muito menos
desresponsabilizar a opção errada, mas antes reconhecer que, num mundo
pleno de dificuldades e injustiças como aquele em que nos movemos, a
escolha certa implica uma grandeza que muitas vezes não cabe na nossa
pequenez de torpes mortais.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
29/09/18
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