A CGD merece
o seu aumento de capital
Os contribuintes têm de estar disponíveis para pagar o aumento de
capital da CGD com condições: tem de ser garantido que estamos a
investir e não a atirar dinheiro para repetir os erros do passado.
O banco é a empresa mais frágil de uma economia. A fragilidade
recomenda sensibilidade e bom senso para resolver os problemas, sem os
agravar, mas também sem os ocultar ou deixar impune quem cometeu crimes.
O caso da Caixa Geral de Depósitos (CGD) pode ser uma oportunidade para
conciliar responsabilização com uma nova era de gestão e a limpeza
geral do sistema financeiro. Sem gritarias.
É
preciso uma comissão parlamentar de inquérito, como pede o PSD, uma
auditoria externa como pretende o Bloco de Esquerda, uma actuação da
justiça e da supervisão como clama o PS. Tudo se pode e deve fazer
para avaliar quais os erros que foram cometidos na CGD. Desde que daí se
retirem consequências políticas, legais e especialmente novas regras
que impeçam a repetição do passado e garantam a rentabilidade do que se
vai investir.
Dito isto há um ponto prévio a fazer. Portugal não tem apenas um
problema na CGD. A situação do sistema financeiro está longe de estar
resolvida, como o demonstra a evolução das cotações do BCP, a ainda
falta de solução accionista para o BPI, as perspectivas pouco animadoras
de vender o Novo Banco e a instável situação do Montepio. Há muitas
perguntas que precisam de resposta, a primeira das quais é: como pode
isto estar a acontecer depois de termos tido por cá a troika?
São vários os factores que nos conduziram a este ponto. Temos os
casos de polícia, que já andam nas suas diversas fases, desde a
construção dos processos à acusação e julgamento. E temos as outras
razões. O pecado original está na subavaliação dos problemas da banca
feita em 2011, quer aqueles que já tinha como aqueles que iria enfrentar
por causa da recessão – ela própria também subestimada.
Em Portugal houve excesso de crédito, o tipo de crise financeira de
país endividado e pouco desenvolvido. No meio da euforia encontramos os
casos de troca de favores e de batalhas pelo poder, com contornos que
levantam suspeitas criminais. Mas também temos, pura e simplesmente,
erros de avaliação do risco do crédito. Na CGD, tal como no BCP e no
BES, houve de tudo. O BPI e o Santander, no grupo dos grandes, foram os
únicos que, por razões diferentes, mantiveram uma gestão prudente.
Ao BES já sabemos o que lhe aconteceu. O BCP tem estado a fazer o seu
caminho, embora ainda tenha muito trabalho pela frente e obstáculos a
ultrapassar. E a Caixa actuou como podia, com pouco capital e objectivos
por vezes difíceis de conciliar. O BCP, por exemplo, teve cinco
aumentos de capital desde 2011 e não foi chamado a apoiar empresas
quando, com a entrada da troika, algumas instituições financeiras saíram
de Portugal não renovando o crédito aos seus clientes.
Encontrar uma solução para a CGD passa, em primeiro lugar, por
reconhecer o trabalho difícil desenvolvido pela equipa liderada por José
de Matos. O ainda presidente da CGD teve de limpar os erros do passado,
que não foram seus, muito lentamente. Porque não teve capital para o
fazer mais depressa.
Por falta de dinheiro também não pode fazer a
reestruturação com redução de pessoal que aconteceu, por exemplo, no
BCP. E porque nos idos de 2011 muitos bancos estrangeiros deixaram
algumas empresas sem crédito, não lhes renovando o financiamento ou
aproveitando a mais pequena oportunidade para reclamar a sua
amortização, a Caixa foi chamada a substituí-los.
Claro que esta última actuação, de acudir a algumas empresas que não
encontraram crédito noutro lado, é muito discutível. Se a empresa era
vista como inviável para os outros bancos também o deveria ser para a
Caixa? Pode dizer-se que o fez para evitar que, no meio de uma recessão
já profunda, mais empresas fossem à falência gerando ainda mais
desemprego. Um dos casos parece ter sido o da Efacec, agora vendida a
Isabel dos Santos tendo a CGD recebido o seu valor. Mas é muito ténue a
linha que separa estes casos de outros fundados nas trocas de favores ou
nas batalhas pelo poder, como foi o caso BCP em que a Caixa se
envolveu, na concessão de crédito, numa batalha contra Jorge Jardim
Gonçalves.
Pelo que aconteceu antes da crise e pelos problemas que enfrentou
durante a intervenção da troika, a Caixa pode ter agora a oportunidade
de virar definitivamente uma página, para se posicionar como uma
instituição estruturante do sistema financeiro português. Para isso é
preciso dinheiro, regras e revisitar o passado para responsabilizar.
Para quê tanto dinheiro? Não se sabe oficialmente qual será o aumento
de capital da Caixa. Estamos na fase da negociação, da demonstração a
Bruxelas de que não é uma ajuda do Estado que distorce a concorrência
com os outros bancos. Mas aponta-se para valores da ordem dos quatro mil milhões de euros.
Com esse dinheiro a gestão da Caixa poderá limpar de vez o seu
balanço, ou seja, contabilizar imediatamente as perdas que tem vindo a
registar, lentamente, por falta de capital. De 2011 a 2015 já deu como
perdidos seis mil milhões de euros mas, aparentemente, ainda há limpezas
a fazer. Além disso poderá pagar ao Estado o empréstimo que ainda tem
(CoCo’s), reforçar os rácios de solvabilidade em linha com as exigências
do BCE e ainda avançar para a inevitável reestruturação com diminuição
de balcões e de funcionários. O banco público, como é óbvio, não é imune
aos efeitos da tecnologia no sistema financeiro.
Mas ficar por aqui é atirar dinheiro para os problemas. Paralelamente
é fundamental que se estabeleçam regras muito claras para o papel da
Caixa no sistema financeiro, assim como objectivos de rentabilidade que
garantam aos contribuintes que não estão a atirar mais dinheiro para
buracos sem fundo. Esta será com certeza uma garantia que é dada pela
gestão mas também por Bruxelas. No quadro das regras europeias de defesa
da concorrência, não há capitalizações públicas de empresas sem planos
de negócio que provem a sua viabilidade económica e financeira. (António
Costa acusou Bruxelas de ser contra empresas públicas mas a
viabilização do aumento de capital da CGD vai demonstrar que o que está
em causa é a defesa da concorrência).
Caso o aumento de capital venha a ser da dimensão do que está a ser referido (quatro mil milhões de euros), a equipa que em princípio será liderada por António Domingues
tem um grande desafio pela frente. Não poderá dizer que é por falta de
recursos que não faz a reestruturação do banco e para garantir uma
rentabilidade adequada dos capitais investidos terá de obter lucros mais
elevados.
Esta pode ser a oportunidade para a CGD voltar a ser o velho banco
que não se mete em aventuras nem anda nas bocas do mundo, com uma
estrutura sólida e uma actividade rentável, sem cair na tentação de
servir interesses de partidos ou de poder.
À equipa de José de Matos não foi dada essa oportunidade, teve de
fazer omeletes sem ovos. Que seja dada essa oportunidade a António
Domingues, com as doses certas de capital e salário. (A remuneração dos
gestores é outro tema que precisava de ser tratado com menos populismo e
mais racionalidade porque a exageros num sentido não se podem suceder
exageros em sentido oposto).
Mas virar a página na CGD exige também que se explique a todos nós
contribuintes e, como tal, accionistas, como é que a Caixa teve de
registar perdas (imparidades) de seis mil milhões de euros em cinco anos
e ainda precisa de mais quatro mil milhões de euros. Que se faça a
comissão parlamentar de inquérito e a auditoria externa, de preferência
com uma empresa que não esteja ligada ao sistema.
É verdade que os bancos são as empresas mais frágeis da economia, é
verdade que há sigilo bancário e que os inquéritos, parlamentares ou
outros, são arriscados porque podem abalar a confiança. Mas a classe
política tem a obrigação de saber apurar responsabilidades sem provocar
danos no sistema financeiro. Tem o dever de conciliar a obrigação de nos
explicar as contas, identificar responsáveis e propor regras com
responsabilidade de garantir a estabilidade financeira. Caso contrário
estaremos perante um grave problema de incapacidade de responsabilizar
quem gere bancos ou políticos que usam a banca.
No livro “The end of alchemy” o ex-presidnete do Banco de Inglaterra
Mervyn King diz que “os bancos tornaram-se demasiado grandes para falir,
demasiado grandes para gerir e demasiado grandes para [os banqueiros]
serem presos”. Talvez seja desejar demasiado, mas no caso da CGD poderia
tentar-se provar que, sendo grande demais para falir, não é grande
demais para ser gerida nem para responsabilizar quem a usou para fins
pessoais de poder ou dinheiro.
IN "OBSERVADOR"
16/06/16
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