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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/01/20
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A arte de tirar cortiça do tio Zé
Quando se passa pelas estradas do Alentejo, é cenário comum o
daquelas árvores de tronco avermelhado em contraste com os ramos escuros
e rugosos. São sobreiros aos quais acabaram de tirar a cortiça. Tirar.
Porque a cortiça não se recolhe nem se apanha, tira-se. De nove em nove
anos, os homens sobem ao sobreiro e com o seu machado, a sua arte e o
seu amor tiram a cortiça, um material usado nas rolhas das garrafas de
todo o mundo e de que Portugal é o maior produtor.
Nunca assisti a
uma tirada da cortiça, com alguma pena minha. Mas tenho bem fresco na
memória a minha mãe a contar como o irmão, o meu tio Zé, era grande
perito nessa arte. "O tio Zé era muito bom a tirar cortiça. Nos outros
trabalhos não se destacava, mas a subir aos sobreiros era o melhor",
lembra ainda hoje com orgulho naquele irmão dez anos mais velho. O
segredo? "Ele subia ao sobreiro e andava lá em cima como os outros no
chão. Até nos sobreiros mais altos. Não tinha medo. E nunca caiu!"
E
a verdade é que tirar cortiça não é para todos. O calor - o trabalho é
feito do final da primavera ao pico do verão -, as formigas, manter o
equilíbrio em cima da árvore enquanto se manobra o machado, não é para
todos. Talvez por isso só seja entregue a especialistas, capazes de
tirar a cortiça sem danificar a árvore. Um trabalho, diz quem sabe,
feito em seis etapas em que o trabalhador começa por abrir a cortiça com
um golpe certeiro de machado, antes de separar a prancha do tronco,
segue-se a traçagem, que define o tamanho da prancha. Esta é depois
extraída com todo o cuidado para não se partir - quanto maior for, mais
valor comercial tem. O trabalhador tem ainda de descalçar - ou seja
retirar os restos de cortiça que ficaram agarrados ao tronco e, por fim,
marcar a árvore com o último algarismo do ano em que foi tirada a
cortiça.
Das rolhas aos chapéus vendidos aos turistas, do
revestimento dos solos aos bancos do metro, são muitas as utilizações
dadas à cortiça. Mas é preciso lembrar que por detrás daquele material
tão português se esconde o esforço de muitos "tios zés", esses cada vez
mais raros tiradores de cortiça.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/01/20
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