O Úbere da modernidade
A facilidade com que nos expomos a algoritmos que não percebemos faz de nós vulneráveis, para começar,
a quem quer que nos queira como alvos de comércio. Os anúncios das
redes sociais já direcionados para a nossa página são um pequeno exemplo
do que aí vem.
É o computador/telefone que temos no bolso. Pensava eu, até perceber
que nem isso percebo. Segundo alguns especialistas, até este
supercomputador do bolso de trás pode ficar
desactualizado em menos de uma década e a computação ser, afinal, a
alma de quase todos os objectos que nos cercam no dia a dia.
Em todo o caso, seja ou não pelo aparelho que antes servia para falar
é a portabilidade da tecnologia que permite tornar acessíveis velhas
necessidades de forma inovadora, mas sobretudo inventar,
ao lado, um conjunto de novas necessidades e a respectiva solução,
atraindo-nos cada vez mais para dentro de um qualquer ecrã táctil.
No dia 12, no Porto, a Fundação Manuel dos Santos, pondo Huxley no cartaz, promove uma conferência que pergunta se o futuro chegou cedo demais - "…vezes
sem conta na História o avanço tecnológico mudou as condições sociais, e
de repente as pessoas encontram-se em situações que não antecipam e
fazer todo o tipo de coisas que afinal nunca quiseram fazer"… dizia o
autor de "Um Admirável Mundo Novo".
Eventualmente teremos nós chegado cedo demais ao futuro, mas esta revolução não vai parar, só acelerar.
Vai trazer
novos problemas e agudizar outros que nada têm de novo : a segurança na
transmissão de informação e privacidade estão evidentemente à cabeça
dos bens em risco. A espionagem como a conhecemos dos romances mudou de
método e de personagens.
A facilidade com que nos expomos a algoritmos que não percebemos faz de nós vulneráveis, para começar,
a quem quer que nos queira como alvos de comércio. Os anúncios das
redes sociais já direcionados para a nossa página são um pequeno exemplo
do que aí vem. Mas, atrás disso vem também a quase completa perda de
privacidade de que a regulação possível devia ser uma primeiríssima
necessidade política, aliás, em plena discussão na América que acaba de
proibir o acesso massificado aos dados dos nossos telefones.
Até porque, em vez de evitar estes assuntos, é melhor partir da
premissa que quem tem no bolso um aparelho que permite saber,
bisbilhotar e comprar já não vai deixar de o fazer. Sei pouco de
tecnologia, mas conheço alguma coisa dos homens. E não é preciso grande
análise sociológica sobre à geração Y, ou às outras…, para perceber que desde que a comodidade seja possível o cliente aparece sempre.
Mas há que reconhecer que se há muito que pode ser regulado é da
natureza da própria inovação quebrar fronteiras e fazer as outras
ciências, como o Direito, acompanhá-las. E, também, que a realidade nem
sempre precisa de ajuda. Enfim, seria essa normalmente a convicção de um
liberal. E se eles por aí se anunciaram.
É o caso, por exemplo, desta bizarra discussão que ontem parece ter
começado a privar os consumidores de utilizar uma das mais úteis
ferramentas deste novo mundo digital. A possibilidade de transporte
terrestre a partir do telefone através da plataforma UBER.
Se o serviço é prestado por contratados em veículos licenciados para
transporte terrestre e motoristas profissionalmente habilitados, se a
actividade é coberta por seguro e paga impostos, que aconteceu aqui? E
se a regulamentação desta concorrência, dito de outro modo, a sua
actualização ao que o mundo já permite é urgente, onde está o Governo
que nos vinha educar a preferir sempre a liberdade de escolha?
As máquinas fotográficas ou as fotocopiadoras extinguiram-se por
efeito da tecnologia, mas quando a possibilidade de conseguir alojamento
ou transporte ameaça desalojar monopólios instalados aí, a uns quantos,
parece que mesmo bom era voltar ao telefone preto, com a rodinha e o
sarro, um por bairro na mercearia, e esperar que a filha da D. Rosa
volte do Brasil.
Esta disputa é mesmo um bom exemplo. Por cá mudam mais os problemas que as atitudes…
Advogado
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
02/06/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário