13/10/2023

MÁRIO JOÃO FERNANDES


 .



Conflito entre Israel

 e a Palestina

Ao fim de milhares de anos de conflitos armados, com a frieza analítica de que é capaz, a humanidade conseguiu dotar-se de um conjunto de regras que determinam miudamente as modalidades aceites para nos matarmos uns aos outros.

Este assinalável progresso, fruto das atrocidades cometidas ao longo dos séculos e com destaque para o seu apogeu durante a 2ª guerra mundial foi vertido, em 1949 para 4 Convenções Internacionais, ditas de Genebra, alargadas, em 1977, por via de dois Protocolos, aos conflitos internos. O direito internacional humanitário adquiriu dimensão consuetudinária e aplica-se a todos os Estados e beligerantes, tenham ou não subscrito as convenções e os protocolos adicionais. As convenções e os protocolos identificam os actos de guerra permitidos e os que são proibidos. Os Estados são livres na fixação da moldura penal para os crimes de guerra, ficando obrigados a investigar, acusar e punir aqueles que sejam suspeitos da prática de crimes de guerra. Em 1990 a humanidade deu mais um passo no aperfeiçoamento da aplicação do direito internacional humanitário, com a aprovação do Estatuto de Roma que criou o Tribunal Penal Internacional (TPI), o primeiro tribunal penal internacional permanente. A divisão internacional do trabalho comete aos Estados a punição das violações do direito internacional humanitário, sendo a competência do TPI supletiva, relativa aos casos em que o Estado não queira ou não possa aplicar o direito penal internacional. A competência do TPI tem base convencional, ou seja, só se aplica aos crimes cometidos nos territórios dos Estados que se tenham vinculado ao Estatuto do TPI. Já o direito internacional humanitário, por ter uma base costumeira, pode ser aplicado por todo e qualquer Estado contra quem o viole, com base na lei nacional que mande punir os crimes de guerra.

Relevam as qualificações feitas pelo DIH (convenções e Genebra e protocolos adicionais). São elas que tipificam as condutas permitidas e as proibidas, os crimes de guerra. As qualificações feitas pelos Estados não se podem substituir ao DIH. A definição do que seja um combatente é feita pelo DIH não está na disponibilidade do direito interno de um Estado. E os combatentes, mesmo quando acusados pela prática de crimes de guerra, têm, de acordo com o DIH, a ser julgados por um tribunal independente e de beneficiar de garantias de defesa. Qualificar os combatentes como terroristas traduz agendas políticas internas que procuram afastar a aplicação do DIH. Estas tentativas são frequentes, como tem vindo a acontecer no Leste da Ucrânia quando as auto-denominadas “Repúblicas Populares” do Donetsk e de Luansk acusam, julgam e condenam, de forma expedita e como “terroristas” combatentes ucranianos.

No território internacionalmente reconhecido da Palestina, ocupado por Israel desde 1948, têm sido cometidos ao longo dos anos muitos crimes de guerra, reconhecidos como tal por vários órgãos da ONU. No que respeita à faixa de Gaza, e antes do passado domingo, estão documentados pela ONU crimes praticados quer pelo Hamas pela pela Força de Defesa de Israel (IDF). No conflito na Palestina há beligerantes, pelo menos o Hamas e a IDF. Uns e outros estão obrigados ao cumprimento do DIH. De acordo com o DIH os civis identificados como tal são alvos proibidos. A morte, ofensa corporal e rapto de civis estão tipificados no DIH como crimes de guerra. Devem ser investigados e punidos por todos os Estados e também pelo TPI. Em 2021 o TPI considerou ter jurisdição sobre o território da Palestina, um Estado parte no Estatuto de Roma, não sendo necessário apurar se a Palestina é um Estado para outros efeitos.

* Jurista, consultor da Abreu Advogados.

IN  "iN" - 12/10/23.

Sem comentários: