O momento Lili Caneças de Cavaco
Cavaco é o hipopótamo da fábula que, apontando para a dívida do lado, diz, entre dentes: 'Coitadinho do crocodilo...'
Até há poucos dias, tudo nos separava da Grécia: tínhamos tido uma saída
limpa do resgate. As taxas de juro da dívida batiam recordes negativos.
As reformas e os cortes exigidos pela troika tinham sido cumpridos. O
défice iria baixar dos 3% este ano. Antecipavamos pagamentos ao FMI. Os
portugueses tinham feito e continuavam a fazer sacrifícios. A razão
dizia-nos que, mesmo que a Grécia saísse, Portugal não seria afetado.
Não poderíamos ser o próximo a sair do euro. É nesta linha que aparecem
as esclarecedoras palavras de Cavaco Silva que resumiu: "Se a Grécia
sair, em vez de 19, seremos 18, na Zona Euro". Lili Caneças não diria
melhor.
A frase de Cavaco Silva é a metáfora perfeita do que está a acontecer à
Europa: egoísmo, autismo, falta de conhecimento histórico, hipocrisia e
uma inacreditável cobardia. Cavaco é o hipopótamo da fábula que,
apontando para a dívida do lado, diz, entre dentes: "Coitadinho do
crocodilo..." O problema é que a frase de Cavaco, que isola a Grécia e
nos separa do seu destino, não tem correspondência com a realidade, como
ficou demonstrado, esta semana, na bolsa lisboeta - a maior queda da
Europa - e com a subida das taxas de juro, a maior apreciação a seguir à
da dívida grega, em todos os prazos. O coração dos mercados tem razões
que a razão desconhece.
A questão é que a discussão já nem sequer se coloca na aposta sobre qual
será o próximo a cair. Assim que o desmembramento no euro se torne
real, desencadeia-se uma tempestade em todo o sistema. Saindo a Grécia, a
Zona Euro deixa de ser vista como uma união monetária irrevogável.
Assim, os principais benefícios dessa união (que padece do handicap de
não ser, também, uma união bancária) esfumar-se-iam. A possibilidade dos
investimentos a longo prazo diminuiria. Os empréstimos à banca dos
países mais vulneráveis ao défice, mesmo com as atuais garantias do BCE,
deixaria de existir. Seguir-se-iam fugas de capitais (como já acontece
na Grécia). Os juros disparariam. Tudo junto teria como resultado a
impossibilidade de um reajustamento dentro da Zona Euro, aumentando o
perigo de implosão.
A resposta política do Governo e do PS a esta catástrofe tem sido
incompetente. Passos Coelho ziguezagueou entre a garantia de que
Portugal estava preparado para o embate da saída da Grécia do euro e o
reconhecimento de que nenhum país está imune. A resposta do PS é ainda
mais confusa. Carlos César apontou ao Syriza um exagerado radicalismo.
Outro dirigente socialista, Marcos Perestrello, acusou os gregos de
errarem, "ao escolherem a confrontação", e o Governo de errar ao "não se
empenhar" para chegar a um acordo. Poderá o PS explicar o que teria
mudado nesta história? As declarações de Marcos Perestrello não
acrescentam nada. São frases chochas de comentador político que só
sublinham a ausência de António Costa e comprovam a inexistência de um
plano, no presente cenário europeu. Ficamos sem saber se o PS concorda
com as exigências dos gregos ou se se coloca ao lado das instituições.
Ou se, dando de barato que seria possível um meio termo (uma descoberta
da pólvora que ninguém conseguiu fazer, em cinco meses de
negociações...), em que pontos exatamente se situaria esse meio termo.
A crise grega pode fazer com que todos os nossos sacrifícios tenham sido
em vão. Mas, nas sedes partidárias, já se discute quem ganhará com
isto, do ponto de vista eleitoral. Perdemos todos. E perder é o
contrário de ganhar, já lá diria o Presidente da República. Ou uma
conhecida socialite.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário