A democracia ao sol
Há dias assim, como
o do domingo passado, quando a luz do sol parece bastar para derreter
um inverno longo e triste que se vinha colando aos corpos. Havia gente
na rua, muita gente e diversas camadas sociais, idades, rostos, que
passeava ao sol; pessoas que faziam jogging no Parque da Cidade em
grupos informais, improváveis, ou sozinhas numa solidão livre;
caminhavam ao longo do rio, entre castanhas assadas e horizontes
imaginados, pousavam nas esplanadas com os jornais ao colo e as
primeiras mantas de piquenique estendiam-se à beira-mar. Tudo era banal:
conviviam ao sol, misturavam-se, cruzavam-se e, assim, habitavam a
cidade conferindo um sentido livre e autónomo ao espaço público.
Nos anos 70, o filósofo alemão Jurgen Habermas, analisando as sociedades contemporâneas capitalistas, defendia que a evolução dos seus sistemas socioculturais (valores, relações económicas e sociais,...) induz nas populações novas aspirações que se traduzem não meramente no consumo de bens privados, mas tendencialmente em "novas formas de interpretar o sentido da vida", conferindo-lhe dimensões qualitativas (saúde, educação, ambiente,...) e, fundamentalmente, a afirmação do seu direito individual e coletivo na construção pública de decisões políticas. Mais do que os ditames "ideológicos dos sistemas partidários", ou outros, as populações aspiram a uma construção prática da vida em comum onde as normas políticas tenham "validade moral" e reflitam e realizem consensos alargados, pragmáticos e revisíveis. Quando os sistemas políticos não respondem as estas aspirações gera-se "uma crise de motivação" que afeta a "legitimidade do sistema político."
As pessoas que dão conteúdo ao meu domingo ao sol são o testemunho de um longo processo de transformação sociocultural, de uma manhã de abril que gerou os percursos para uma nova consciência identitária e cívica. Transportam aspirações consolidadas, naturalizadas, que são uma realidade que não quer voltar atrás. Saiba o sistema político compreender e transformar este potencial, esta consciência de si, numa força.
Mais do mesmo não motiva. Desmobiliza. E quando tal acontece há coisas que deixam de ser certas.
As populações aspiram a uma construção prática da vida em comum onde as normas políticas tenham "validade moral" e reflitam e realizem consensos alargados, pragmáticos e revisíveis
*PRESIDENTE DO INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
28/01/16
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