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Dias suspensos
A proximidade das eleições americanas, a cinco dias de assinarem - distintivamente e com carimbo - boa parte do que será destino, causa e consequência do Mundo nos próximos anos, é motivo para nervosismo global e para algum imobilismo geral até que as definições existam. Do ponto de vista geoestratégico, nada mexe preventivamente, como se o Mundo rodasse à espera de um significado maior que não interrompa a encomenda de qualquer solução. São dias de imobilidade, dias invisíveis, quase vazios, horas nada pequeninas até ao momento do parto americano. Há um Mundo suspenso.
Quando meio mundo acordou para a vitória de Trump nas eleições americanas de 2016, os sinais de morte do Partido Republicano eram já tão evidentes como o definhamento do Partido Democrata. Desde então, o que ambas as forças políticas disseram aos seus eleitores é que não se importavam de jogar no campo da demagogia e do populismo, ao enfrentarem fantasmas com os seus barões de sempre, sem renovação maior e sem conseguirem responder aos eleitores que não encontravam uma boa razão para votar senão nas clivagens ou na triste noção do mal menor.
Perdida que foi a campanha democrata na insistência em Joe Biden, presidente-candidato que ninguém internamente podia desconhecer como estando na curva descendente das suas capacidades, o terreno foi caminho sempre aberto para o aproveitamento dos sentimentos mais primários de antagonismo e demagogia, enquanto Kamala Harris, a alternativa, se apresentava como uma semi-surpresa amplamente exibida, a dada altura, como a única hipótese possível face ao tempo que restava. Foi nesse momento que Kamala pareceu melhor, mais forte do que a encomenda que a dava como uma impossibilidade para derrotar Trump. O aparecimento de um ser humano “normal” na campanha fê-la maior que o recente atentado ao adversário.
Talvez porque Trump seja demasiado fraco à evidência. A sorte democrata é mesmo a de ter um opositor assim: um candidato republicano com mais capacidade já teria tomado esta eleição como sua. As indecisões do Partido Democrata permitiram uma lufada de ar fresco que se tem vindo a esgotar, ao ponto de ser Trump a marcar a agenda dos últimos dias pela irrazoabilidade dos seus apoiantes e pela loucura que a sua disrupção introduz como vitimização libertária. Quando Trump venceu contra uma mulher, Hillary Clinton, o Mundo mudou tanto como com a queda das “Twin Towers”. Agora, se derrotar Kamala, será a condenação ao “Ground Zero”, epidémico, transmissível, doentio. Tudo suspenso. Na próxima terça-feira, que a América não decida parar o Mundo e sair.
* Músico e Jurista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 01/11/24.
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