18/10/2019

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 HOJE NO 
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Como dois telefonemas desbloquearam
 o acordo “impossível” para o Brexit

O acordo do Brexit foi desenhado entre o Reino Unido e a Irlanda.

Eram 8:00 do dia 8 de outubro e em Downing Street os funcionários estavam a assistir a um desastre diplomático iminente.

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tinha sido abalado pela chanceler alemã, Angela Merkel, que realçou o quão difícil seria chegar a um acordo para o Brexit. A reviravolta que se seguiu deixou os conselheiros de ambos os lados em choque.

Se foi realmente Merkel a fazer uma emboscada como descreverem os britânicos, ou se simplesmente foi o momento em que "caiu a ficha" a Johnson - como sugerem os alemães – o jogo do passa a culpa quase significou o fim das negociações.

Contudo, nove dias depois de a equipa do Reino Unido ter concluído que um acordo seria "basicamente impossível", os seus membros estavam a conversar com o primeiro-ministro num pequeno-almoço tardio de salsichas e bacon quando o avião do governo voou em direção a Bruxelas. Boris Johnson foi para selar um acordo para o Brexit.

Foi esta discussão quente com a líder alemã que desbloqueou o acordo. E as concessões desencadeadas ainda podem arruinar o acordo.

Este relato sobre o capítulo final dos esforços de Johnson para garantir um divórcio da União Europeia tem por base depoimentos de funcionários da UE e do Reino Unido que pediram anonimato devido à sensibilidade do assunto.

Jogo de culpas
Enquanto a equipa de Merkel se debatia com a ferocidade dos ataques britânicos e ativistas pró-Brexit publicavam no Twitter uma imagem ofensiva de Merkel, Johnson virou-se para outro líder que tem quase tanto em jogo nas negociações do Brexit como o Reino Unido: Leo Varadkar da Irlanda.
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Conversando ao telefone algumas horas após a troca de palavras entre Johnson e Merkel, os dois homens decidiram resolver os problemas pelas suas próprias mãos. Iriam encontrar-se em território neutro numa tentativa de quebrar o impasse.

Durante três anos, a UE insistiu que nenhum primeiro-ministro britânico podia negociar diretamente com qualquer outro líder europeu. Todas as negociações passavam pela Comissão Europeia, em Bruxelas. Mas Johnson e Varadkar decidiram que era altura de quebrar as regras. O que desbloqueou a situação.

Um passeio no parque
Thornton Manor é uma casa de campo do século XIX rodeada por um parque e jardins, a mais de 300 quilómetros de Downing Street.

Um local de casamento para ricos e famosos, foi o local onde na quinta-feira, 10 de outubro, Johnson convenceu Varadkar a fazer um acordo. Os dois homens e as suas equipas conversaram durante quase três horas.

A certa altura, os líderes deram um passeio pelos jardins da propriedade sozinhos. Passaram a acreditar que poderiam confiar um no outro.

Neste contexto, os dois debateram de forma aberta o acordo que Johnson fechou em Bruxelas. O que exigiu que ambos fizessem concessões.

Johnson disse a Varadkar que aceitava a necessidade de evitar pontos fronteiriços em qualquer sítio perto da fronteira terrestre do Reino Unido com a Irlanda e isto significaria controlos dentro do Reino Unido - entre a Irlanda do Norte e o continente britânico.

Essa foi uma questão difícil para o lado britânico: foi contra tudo o que discutiam há dois anos. A antecessora de Johnson, Theresa May, disse que nenhum primeiro-ministro do Reino Unido poderia subscrever algo assim.

Em troca, Varadkar também cedeu.

O jogo de Varadkar
O primeiro-ministro irlandês recusou abordar qualquer acordo que não contemplasse uma garantia permanente de que a fronteira irlandesa ficaria livre de controlos. Mas agora, Varadkar revelava a Johnson que estava disponível a recuar.

Foi então que surgiu a ideia de um acordo aduaneiro criado à medida para a Irlanda do Norte, do qual a região pode sair após quatro anos, se o Parlamento assim o desejar.

Esta ideia foi crucial.

Posteriormente, os dois responsáveis disseram ter encontrado um "caminho" para um possível acordo, mas alertaram que seria necessário muito trabalho para que o acordo estivesse fechado antes da cimeira europeia de 17 de outubro.

Então, os negociadores britânicos e da UE intensificaram o ritmo das negociações.

Trabalharam ao longo do fim-de-semana e na terça-feira crescia a esperança. As duas equipas trabalharam das 9:30 da manhã até à 1:30 da manhã seguinte para finalizarem o texto, alimentando-se de sandes e saladas, cafés e biscoitos.

Outra batalha
Apesar de todos os progressos conseguidos em Bruxelas, Johnson e a sua equipa tinham outra batalha em mãos em Londres.
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Precisavam de convencer os unionistas da Irlanda do Norte (DUP) a apoiar este plano.

Qualquer coisa que divida a região do continente britânico é vista como uma catástrofe pelo DUP e, sem o seu apoio, Johnson terá dificuldade em aprovar o acordo no Parlamento. Mas sem este compromisso de controlo, não haveria qualquer acordo e todo o projeto do Brexit estaria em perigo.

O DUP não rejeitou a proposta imediatamente.

Na verdade, à medida que o texto legal tomava forma esta semana, alguém no número 10 achou que a líder do DUP, Arlene Foster, estava pronta a assinar.

Contudo, quando se reuniram em Downing Street, na quarta-feira à noite, Johnson e Foster estavam demasiado afastados para que se conseguisse criar uma ponte.

Último empurrão
Johnson acordou cedo no dia seguinte. Assim como Foster. Às 6:48 Foster e o seu colega Nigel Dodds emitiram um comunicado. "Como as coisas estão, não podemos apoiar o que está a ser proposto", afirmaram.

A porta ainda estava entreaberta para um compromisso. Mas Johnson estava sem tempo. Decidiu avançar sem o apoio do DUP.

Às 9:00 finalizou os detalhes numa chamada telefónica com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. Depois realizou uma "conference call" com os principais ministros do seu Executivo. Isto antes de voltar a ligar a Juncker para lhe dizer: têm acordo.

Pelas 11:00 Boris estava a embarcar num voo para Bruxelas.

Nas cimeiras europeias mais recentes, Theresa May jantou sozinha, enquanto os líderes dos outros 27 Estados-membros se sentaram a discutir o que fazer sobre o Brexit. No seu primeiro Conselho Europeu – e possivelmente o último – Johnson pôde sentar-se à mesa, com um contrato de divórcio selado.

* A estas conversações de alto nível deve chamar-se "pulhítica" por serem tratados  assuntos muito sérios.

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