COITADINHAS
A facilidade com que nos comovemos com imagens de criancinhas
desgraçadas só é comparável à velocidade com que as esquecemos.
A
história trágica de Omran, um menino de cinco anos vítima da guerra na
Síria, apaixona-nos ao ponto de partilharmos repetidamente a
imagem-postal nas redes sociais. Gesto que fazemos acompanhar de uma
pungente legenda que atesta do nosso profundo humanismo. Um humanismo
que só tem dimensão porque é exibido a terceiros. Mais parece que só nos
sentimos em paz com a nossa consciência se o feed do Facebook mantiver
um justo equilíbrio entre estas histórias emocionalmente virais e as
outras histórias parvas igualmente virais. Omran está sentado na cadeira
de uma ambulância, frágil, metade do rosto coberto de sangue, a outra
metade de pó, numa perfeita geometria do caos, após novo bombardeamento a
Alepo.
O Mundo comove-se porque ele está imerso na hipnose do choque e
não chora. Como é possível, se até o fotojornalista que captou o momento
baqueou? Talvez porque 3,7 milhões de crianças sírias - uma em cada
três - nasceram depois do conflito militar. Talvez porque, para elas,
aquele seja um dia normal.
O Mundo hoje é assim: fica de coração
apertado quando lhe dizem que tem de ser. Até aparecer um vídeo fofinho
com gatinhos ou um acidente espetacular na China. Ou até aparecer alguém
que tem o descaramento de defender a entrada de refugiados na Europa.
Coitadinhas das criancinhas. Coitadinho de Omran. Coitadinhos de nós.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
20/08/16
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