22/08/2016

PEDRO IVO CARVALHO

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COITADINHAS

A facilidade com que nos comovemos com imagens de criancinhas desgraçadas só é comparável à velocidade com que as esquecemos. 

A história trágica de Omran, um menino de cinco anos vítima da guerra na Síria, apaixona-nos ao ponto de partilharmos repetidamente a imagem-postal nas redes sociais. Gesto que fazemos acompanhar de uma pungente legenda que atesta do nosso profundo humanismo. Um humanismo que só tem dimensão porque é exibido a terceiros. Mais parece que só nos sentimos em paz com a nossa consciência se o feed do Facebook mantiver um justo equilíbrio entre estas histórias emocionalmente virais e as outras histórias parvas igualmente virais. Omran está sentado na cadeira de uma ambulância, frágil, metade do rosto coberto de sangue, a outra metade de pó, numa perfeita geometria do caos, após novo bombardeamento a Alepo. 

O Mundo comove-se porque ele está imerso na hipnose do choque e não chora. Como é possível, se até o fotojornalista que captou o momento baqueou? Talvez porque 3,7 milhões de crianças sírias - uma em cada três - nasceram depois do conflito militar. Talvez porque, para elas, aquele seja um dia normal. 

O Mundo hoje é assim: fica de coração apertado quando lhe dizem que tem de ser. Até aparecer um vídeo fofinho com gatinhos ou um acidente espetacular na China. Ou até aparecer alguém que tem o descaramento de defender a entrada de refugiados na Europa. Coitadinhas das criancinhas. Coitadinho de Omran. Coitadinhos de nós.


IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
20/08/16

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