01/11/2014

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HOJE NO
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Como enfrentar um cancro 
na infância e ganhar

Todos os anos 350 crianças são diagnosticadas com cancro em Portugal. Hoje a Gulbenkian acolhe o primeiro seminário de Oncologia Pediátrica no país, organizado pela Fundação Rui Osório de Castro com o apoio da Acreditar. Salomé e Cláudia contaram ao i o que sentiram no diagnóstico, no tratamento e na cura.
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Salomé tinha 12 anos e era uma adolescente como as outras. Miguel tinha três. "É uma sensação de impotência e desespero indescritíveis." É assim que a jovem hoje com 22 anos, no terceiro ano de Turismo e Gestão Hoteleira, lembra o momento do diagnóstico. Cláudia Marcos, mãe do pequeno Miguel, lembra que a primeira reacção foi negar. "Achei que os médicos se tinham enganado. O meu filho era uma criança saudável, ia fazer quatro anos em breve e apenas sentia dores de cabeça", recorda. 

Quando lhes comunicaram o diagnóstico definitivo de Miguel, Cláudia, hoje com 41 anos, deixou de pensar no presente. "Foquei um momento no futuro: o momento da cura. Só precisava que me dissessem o que eu tinha que fazer para conseguir chegar aí." O Miguel iniciava um longo processo de tratamento com quimio e radioterapia, já que o tumor não era operável. 

Também Salomé, que fez dois anos de quimioterapia para debelar uma leucemia, teve de esperar que o tempo a serenasse. "A maior dúvida que sempre me acompanhou foi: 'Será que vou conseguir? Quem me garante que sim?'", recorda. "Apesar de toda a força que fui obrigada a arranjar, até hoje, não sei bem onde, essa foi uma questão para a qual, ao longo de todo o processo, nunca consegui encontrar resposta. Apenas quando tudo terminou e fiquei curada, consegui acreditar que era possível." 

Todos os anos 350 crianças em Portugal são diagnosticadas com cancro. Salomé e Miguel fizeram parte desta realidade dolorosa e estão curados, o prognóstico de quase oito em cada dez casos quando o diagnóstico é precoce. Ela quer fazer carreira fora de Portugal. Ele tem 11 anos, está no 6.o ano e quer ser médico. A mãe não duvida: é um excelente aluno e já tem alguma preparação, pelo menos emocional, diz.
Hoje a Gulbenkian acolhe o primeiro seminário no país dedicado à Oncologia Pediátrica, um encontro organizado pela Fundação Rui Osório de Castro que desde 2009 se dedica à divulgação de informação às famílias com filhos doentes. As duas histórias vão ser partilhadas, quem sabe para darem força a outras famílias. 
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Mas o objectivo da fundação é aumentar a informação, sem a qual todo o processo se torna ainda mais nubloso. São responsáveis pelo PIPOP - Portal de Informação Português de Oncologia Pediátrica, que explica em linguagem simples mas com apoio de médicos as diferenças entre os tipos de cancros, tratamentos mas também os apoios a que as famílias têm direito. No ano passado lançaram folhetos sobre diferentes tipos de cancro e estão neste momento a fazer vídeos animados para que as crianças possam entender mais facilmente as doenças que têm. 

Mariana Oliveira, directora executiva da fundação, não tem dúvidas de que pais e filhos perceberem o que estão a viver, porque dói ou cai o cabelo, acaba por ser parte integrante do tratamento, como que um calmante. Mas acima de tudo explica que procuram responder ao "desnorte" inicial dos pais e à tentação de pesquisar na internet, onde nem sempre a informação é credível. 

Quando se procura pela doença de Miguel na internet, um rabdomiossarcoma da face, são muitas as páginas com respostas. Em cada uma, multiplicam-se os pormenores técnicos, difíceis de entender. Um dos folhetos publicados da fundação é precisamente sobre este cancro: tem origem nas células imaturas que formam os músculos e é o tipo de tumor dos tecidos moles mais comum nas crianças. 

O folheto explica o que torna o prognóstico mais ou menos favorável e dá pistas sobre as perguntas a fazer ao médico. Cláudia diz que, sendo o cancro já bem conhecido, nunca quis saber das estatísticas. Quando o filho foi diagnosticado, estava a meio de um mestrado em biologia molecular humana, por isso sabia que isso era pouco relevante para o desfecho. Tem pensado sobre o melhor conselho para dar aos pais, mas não consegue chegar a uma conclusão. "Cada pessoa reage de forma muito diferente. Lembro-me que me irritava muito com as abordagens protectoras", partilha. 

"Essencialmente dos amigos menos chegados, que nessa altura querem ser muito próximos."
Cláudia considera importante que os amigos estejam presentes, mas explica que a força veio essencialmente do filho e da oração. Salomé também rezava e lembra o apoio da família e dos médicos. Mas recorda em particular o dia em que uma voluntária da Acreditar - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro - a visitou no hospital. Falar com alguém que tinha passado pelo mesmo que ela foi uma "luz ao fundo do túnel" e hoje é também voluntária. 

No seminário, vão estar especialistas dos serviços de oncologia pediátrica a explicar como funcionam mas também peritos em apoios na área educativa, psicológica ou nutricional. "O tema é pesado, assusta qualquer um. Mas quando sabemos que estamos a lidar com famílias que estão a passar por isto e que faz a diferença, o nosso trabalho é muito facilitado", diz Mariana Oliveira.

Na primeira pessoa
Salomé Freitas
O diagnóstico
Sem dúvida o momento mais marcante e mais horrível em toda a minha vida. Uma imagem que nunca serei capaz de esquecer e uma sensação de impotência e desespero indescritíveis.
O tratamento
Os efeitos secundários da quimioterapia são o que mais custa suportar e o mais doloroso. O apoio, sobretudo da família, dos médicos e dos voluntários, ajuda bastante a superar os momentos mais difíceis.
Dúvidas
A maior dúvida foi sempre “será que vou conseguir?” Apenas quando tudo terminou e fiquei curada, consegui acreditar que era possível. Ao longo do tempo surgiram pequenas dúvidas: “porque é que tenho tantas aftas?” “porque é que mal consigo levantar-me da cama?” “porque é que estou tão gordinha?”. Com o apoio dos médicos, enfermeiros e psicólogos, tudo foi ficando mais claro.
Força
O dia em que tomei contacto, pela primeira vez com a Acreditar. Foi uma lufada de ar fresco, uma luz ao fundo do túnel, uma esperança extra que nunca vou esquecer. Também rezava muitas vezes e pensava que não queria ficar por ali agarrando-me a uma força interior que penso que a maioria das pessoas não sabe que tem! E ainda bem.
Cura
Sou alguém “especial”. Enfrentei algo que é capaz de nos pôr à prova a todos sem que estejamos à espera, que pensamos que só acontece aos outros. Algo terrível mas que pode ser também muito bom. Dou muito mais importância e valor à minha vida e penso que não vale, de todo, a pena desperdiçá-la com coisas fúteis e que nos façam sentir mal.
O pior e o melhor
O pior são as marcas físicas e sobretudo psicológicas. O melhor as amizades que fiz e a oportunidade de entrar no mundo do voluntariado para ajudar outras crianças e jovens.

Cláudia Marcos
O diagnóstico
Achei que os médicos se tinham enganado. O meu filho era uma criança saudável, ia fazer quatro anos e só sentia dores de cabeça. Depois, deixei de estar ligada ao presente e foquei um momento no futuro: o momento da cura.  
O tratamento
A morfina deixava-o totalmente inactivo, a quimioterapia provocava--lhe enjoos e transformava as refeições num verdadeiro tormento, a radioterapia acabou por lhe provocar feridas muito graves na pele... Tudo foi muito difícil.
Dúvidas
A grande angústia da possibilidade da morte e a procura de um sentido para todo este processo. O “silêncio” de Deus perante o sofrimento das crianças fez-me ter muitas dúvidas na existência de um sentido, fez-me duvidar de muitos valores que tinha, até então, assumido como verdadeiros.
Força
É incrível ter sido esse mesmo silêncio a aumentar a minha Fé em Deus. O meu filho mostrou-me, a cada momento, que não estava só e que, independentemente do desfecho, estávamos a caminhar para onde tínhamos de ir. O silêncio estava apenas em mim.
Cura
A vida deixou de ter de ser perfeita e isso foi muito bom. Depois da cura ficaram sequelas que não se resolveram de imediato (algumas poderão não se resolver nunca). O Miguel não produz a hormona de crescimento e perdeu a visão do olho direito. Por isso, continuam os exames, outros tratamentos e muito acompanhamento.
O pior e o melhor
O pior foram as dores. O melhor foi aprender a olhar, a sentir, a dar significado aos momentos de silêncio. 

* Ao menos hoje contribua no peditório da Liga Portuguesa Contra o Cancro, ou está à espera de ter para ser solidário?

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