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«Manuel Sérgio:
um professor e um visionário»
Foi meu professor, no ano letivo de 1971/72, na Escola de Educação Física de Lisboa. Lecionava Introdução à Educação Física e Educação Física Comparada. Nas aulas, falava-nos de Descartes, de Teilhard de Chardin, de Roger Garaudy, dos principais escritores portugueses do século XX; dos jogadores do Belenenses de quem era amigo; de uma ou outra crítica à Educação Física e ao treino desportivo; contava-nos sempre algumas anedotas, para que o sono não nos tomasse. E assim eram as suas aulas, tão diferentes das outras que eram muitos os alunos do INEF que, com grande curiosidade, as frequentavam. Recordo uma manhã de sábado, no Hotel Tivoli, em Lisboa. Se não estou em erro, em 1981.
Eu gostava de me aconselhar com ele, quando queria assumir posições de maior responsabilidade e procurei-o no lugar onde sabia encontrá-lo. Quando cheguei, já lá estava, também à espera do Prof. Manuel Sérgio, o Carlos Alhinho, futebolista internacional e, nesse ano, futebolista do Benfica. E relembro, agora, estas palavras do Alhinho acerca do seu (e meu) professor (o Alhinho licenciou-se em Educação Física e Desporto, pelo ISEF de Lisboa): “Este homem é tanto um professor como um visionário”. E é. Um professor de inexcedíveis qualidades pedagógicas e um visionário com qualquer coisa de genial. Por isso, tanta gente o não entende.
Parece que foi o Einstein que disse que o génio tinha cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração. A Manuel Sérgio se aplica a opinião de Einstein. Sempre o conheci um autêntico “devorador de livros”. Muitas vezes o vi, nas aulas, a mostrar-nos a última novidade da vida literária portuguesa e acrescentando: “Vale mais ler este livro do que muitos dos livros que vocês lêem acerca da educação física e do treino desportivo”. Esta postura crítica criou-lhe inimigos. que se mantêm até hoje. Mas inimigos que hoje têm de reconhecer que o Manuel Sérgio já, há meio século, tinha na sua mente muitas ideias que hoje são atuais, na Educação Física e no Desporto. A sua investigação, no âmbito da epistemologia do Desporto, foi pioneira, em toda a lusofonia e possivelmente em toda a Europa. Compreendo assim porque José Maria Pedroto confidenciou ao Prof. José Neto: “Este homem é um profeta”. E porque Manoel José Comes Tubino, infelizmente já falecido, antigo Secretário de Estado do Desporto dos governos do presidente Sarney e antigo presidente da FIEP, ao prefaciar, no Brasil, um opúsculo da autoria de Manuel Sérgio, escreveu: “tenho a oportunidade de introduzir, no meu país, o saber do maior pensador vivo da Educação Física contemporânea”. E não relembro eu, neste momento, as opiniões de conhecidos treinadores de futebol, como o José Mourinho.
Mas, o que há, para mim, de genial, em Manuel Sérgio, no seu percurso de estudioso do Desporto? Em primeiro lugar, um grande respeito pela prática e pelos práticos. É ele que me diz: “Passei horas a escutar o professor David Monge da Silva e treinadores como Mário Wilson, José Maria Pedroto, Jorge Jesus e outros mais. Para mim, a prática é mais importante do que a teoria e a teoria só tem valor, se for a teoria de uma determinada prática”. Depois, o facto de considerar o Desporto não, apenas, uma Atividade Física, mas verdadeiramente uma Atividade Humana, através de um corte epistemológico no seio de uma Educação Física que tinha nascido, simultaneamente com a Medicina, de “o erro de Descartes”. Por fim, criando um método, o “método integrativo”, decorrente do pensamento da complexidade, onde o treino deveria ir muito para além do físico, procurando o ser humano, na sua complexidade. Por isso, repetia com frequência: “é o homem que se é, que triunfa no jogador e no treinador que se pode ser”. A passagem do físico à pessoa em movimento intencional era uma preocupação constante de quem nos dizia qur nós, seus alunos e futuros professores de Educação Física, seríamos especialistas, não em físicos, mas em pessoas, em pessoas acima de tudo. E acrescentava: “O professor de Educação Física é um especialista em humanidade”.
Outro ponto que eu julgo dever salientar: nunca deixava de nos dizer que deveríamos ler os grandes escritores, para entendermos melhor o desporto e o espetáculo desportivo. Não sei se uma ideia, como esta, alguma vez foi escutada, num curso de Educação Física e Desporto, tanto em Portugal como no estrangeiro. Recordo-me bem de que nos falou, durante uma aula inteira, de Albert Camus. E noutra de Teilhard de Chardin, um autor que ele, naquele tempo, muito lia e muito aconselhava. De Urbano Tavares Rodrigues, José Cardoso Pires, Augusto Abelaira, Jorge Amado, Miguel Torga, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, então autores muito em voga, falava deles com regularidade. Nenhum dos outros professores se ocupava destes temas. Aliás, não era habitual partir de grandes romancistas para esclarecimento do desporto. Só um homem com a cultura literária de Manuel Sérgio o podia fazer. Quando, em !2 de Dezembro de 2012, assisti, na Embaixada do Brasil, à atribuição a Manuel Sérgio da “Medalha de Mérito Desportivo das Forças Armadas do Brasil” pelo facto de “a sua teoria da motricidade humana muito ter contribuído ao desenvolvimento do treino desportivo”, nas Forças Armadas do País Irmão, fiquei com a sensação de que as ideias do meu “velho” professor continuavam vivas e cada vez mais atuais. É isto mesmo que eu quero sublinhar, ao ler neste jornal, que muito respeito, as crónicas de Manuel Sérgio – um professor e um visonário. Tenho a certeza que, se não tem falecido, o Carlos Alhinho reforçaria também o que eu procurei dizer, neste artigo.
Fernando Vinhais Guedes, diplomado pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF) atual Faculdade de Motricidade Humana (FMH)
IN "A BOLA"
26/01/14
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«Manuel Sérgio:
um professor e um visionário»
Foi meu professor, no ano letivo de 1971/72, na Escola de Educação Física de Lisboa. Lecionava Introdução à Educação Física e Educação Física Comparada. Nas aulas, falava-nos de Descartes, de Teilhard de Chardin, de Roger Garaudy, dos principais escritores portugueses do século XX; dos jogadores do Belenenses de quem era amigo; de uma ou outra crítica à Educação Física e ao treino desportivo; contava-nos sempre algumas anedotas, para que o sono não nos tomasse. E assim eram as suas aulas, tão diferentes das outras que eram muitos os alunos do INEF que, com grande curiosidade, as frequentavam. Recordo uma manhã de sábado, no Hotel Tivoli, em Lisboa. Se não estou em erro, em 1981.
Eu gostava de me aconselhar com ele, quando queria assumir posições de maior responsabilidade e procurei-o no lugar onde sabia encontrá-lo. Quando cheguei, já lá estava, também à espera do Prof. Manuel Sérgio, o Carlos Alhinho, futebolista internacional e, nesse ano, futebolista do Benfica. E relembro, agora, estas palavras do Alhinho acerca do seu (e meu) professor (o Alhinho licenciou-se em Educação Física e Desporto, pelo ISEF de Lisboa): “Este homem é tanto um professor como um visionário”. E é. Um professor de inexcedíveis qualidades pedagógicas e um visionário com qualquer coisa de genial. Por isso, tanta gente o não entende.
Parece que foi o Einstein que disse que o génio tinha cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração. A Manuel Sérgio se aplica a opinião de Einstein. Sempre o conheci um autêntico “devorador de livros”. Muitas vezes o vi, nas aulas, a mostrar-nos a última novidade da vida literária portuguesa e acrescentando: “Vale mais ler este livro do que muitos dos livros que vocês lêem acerca da educação física e do treino desportivo”. Esta postura crítica criou-lhe inimigos. que se mantêm até hoje. Mas inimigos que hoje têm de reconhecer que o Manuel Sérgio já, há meio século, tinha na sua mente muitas ideias que hoje são atuais, na Educação Física e no Desporto. A sua investigação, no âmbito da epistemologia do Desporto, foi pioneira, em toda a lusofonia e possivelmente em toda a Europa. Compreendo assim porque José Maria Pedroto confidenciou ao Prof. José Neto: “Este homem é um profeta”. E porque Manoel José Comes Tubino, infelizmente já falecido, antigo Secretário de Estado do Desporto dos governos do presidente Sarney e antigo presidente da FIEP, ao prefaciar, no Brasil, um opúsculo da autoria de Manuel Sérgio, escreveu: “tenho a oportunidade de introduzir, no meu país, o saber do maior pensador vivo da Educação Física contemporânea”. E não relembro eu, neste momento, as opiniões de conhecidos treinadores de futebol, como o José Mourinho.
Mas, o que há, para mim, de genial, em Manuel Sérgio, no seu percurso de estudioso do Desporto? Em primeiro lugar, um grande respeito pela prática e pelos práticos. É ele que me diz: “Passei horas a escutar o professor David Monge da Silva e treinadores como Mário Wilson, José Maria Pedroto, Jorge Jesus e outros mais. Para mim, a prática é mais importante do que a teoria e a teoria só tem valor, se for a teoria de uma determinada prática”. Depois, o facto de considerar o Desporto não, apenas, uma Atividade Física, mas verdadeiramente uma Atividade Humana, através de um corte epistemológico no seio de uma Educação Física que tinha nascido, simultaneamente com a Medicina, de “o erro de Descartes”. Por fim, criando um método, o “método integrativo”, decorrente do pensamento da complexidade, onde o treino deveria ir muito para além do físico, procurando o ser humano, na sua complexidade. Por isso, repetia com frequência: “é o homem que se é, que triunfa no jogador e no treinador que se pode ser”. A passagem do físico à pessoa em movimento intencional era uma preocupação constante de quem nos dizia qur nós, seus alunos e futuros professores de Educação Física, seríamos especialistas, não em físicos, mas em pessoas, em pessoas acima de tudo. E acrescentava: “O professor de Educação Física é um especialista em humanidade”.
Outro ponto que eu julgo dever salientar: nunca deixava de nos dizer que deveríamos ler os grandes escritores, para entendermos melhor o desporto e o espetáculo desportivo. Não sei se uma ideia, como esta, alguma vez foi escutada, num curso de Educação Física e Desporto, tanto em Portugal como no estrangeiro. Recordo-me bem de que nos falou, durante uma aula inteira, de Albert Camus. E noutra de Teilhard de Chardin, um autor que ele, naquele tempo, muito lia e muito aconselhava. De Urbano Tavares Rodrigues, José Cardoso Pires, Augusto Abelaira, Jorge Amado, Miguel Torga, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, então autores muito em voga, falava deles com regularidade. Nenhum dos outros professores se ocupava destes temas. Aliás, não era habitual partir de grandes romancistas para esclarecimento do desporto. Só um homem com a cultura literária de Manuel Sérgio o podia fazer. Quando, em !2 de Dezembro de 2012, assisti, na Embaixada do Brasil, à atribuição a Manuel Sérgio da “Medalha de Mérito Desportivo das Forças Armadas do Brasil” pelo facto de “a sua teoria da motricidade humana muito ter contribuído ao desenvolvimento do treino desportivo”, nas Forças Armadas do País Irmão, fiquei com a sensação de que as ideias do meu “velho” professor continuavam vivas e cada vez mais atuais. É isto mesmo que eu quero sublinhar, ao ler neste jornal, que muito respeito, as crónicas de Manuel Sérgio – um professor e um visonário. Tenho a certeza que, se não tem falecido, o Carlos Alhinho reforçaria também o que eu procurei dizer, neste artigo.
Fernando Vinhais Guedes, diplomado pelo Instituto Nacional de Educação Física (INEF) atual Faculdade de Motricidade Humana (FMH)
IN "A BOLA"
26/01/14
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