HOJE
"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
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Évora inaugura memorial aos
milhares de vítimas da Inquisição
Nos 480 anos da criação do Tribunal do Santo Ofício na cidade alentejana, nasce um monumento na Praça do Giraldo
Os
milhares de vítimas da Inquisição portuguesa passam, a partir de hoje, a
ter um monumento em sua homenagem na cidade de Évora. Situado entre a
fonte da Praça do Giraldo e a Igreja de Santo Antão, onde se realizaram
diversos autos-de-fé, o monumento, da autoria do escultor João Sotero, é
inaugurado no dia em que se assinalam 480 anos sobre a data em que foi
lida na Sé de Évora, perante o rei D. João III, a bula papal que
autorizava a instalação e o funcionamento em Portugal do Tribunal do
Santo Ofício.
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"Deu-se a circunstância
de o rei D. João III estar em Évora, e haveria de ser aqui que seria
lida a bula papal de criação da Inquisição em Portugal", diz ao DN o
historiador Manuel Branco, revelando que o projeto de criação do
memorial surgiu depois de terem sido encontradas diversas ossadas junto
ao antigo Palácio da Inquisição, atual Fórum Eugénio de Almeida.
"As
últimas obras ali realizadas puseram a descoberto as ossadas de
diversas pessoas que morreram enquanto se encontravam detidas nos
cárceres da Inquisição e que foram lançadas para a entulheira como se de
um animal se tratasse", refere.
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Nem a morte das vítimas parou a ação
persecutória do Santo Ofício: "Nalguns casos foi feita uma esfinge da
pessoa para ser queimada na praça pública. Não escapavam a este ato de
exorcismo."
Manuel Branco refere-se à
Inquisição como "uma época trágica" que pôs "em evidência" a
intolerância da sociedade portuguesa. Daí o desafio lançado à Câmara de
Évora para a criação de um memorial de homenagem às vítimas.
"A
intolerância, religiosa ou de outro tipo, é um problema que tem de ser
banido da sociedade. Esta iniciativa pretende sensibilizar as pessoas
para a importância de conviverem com a diferença", diz o presidente da
autarquia, Carlos Pinto de Sá, lamentando que "se continuem a levantar
vozes em torno de valores que julgávamos ultrapassados, como a xenofobia
perante os imigrantes ou o terrorismo".
Durante
o seu período de funcionamento, até 1794, os tribunais da Inquisição de
Lisboa, Porto, Coimbra e Évora queimaram 1175 pessoas vivas (mais 633
em efígie) e impuseram castigos a mais cerca de 30 mil, número que os
historiadores dizem "subestimar" a realidade.
"De início tudo o que era cristão novo ou
luterano era alvo do Santo Ofício. Depois foi tudo a eito. Tudo o que
era denunciado por comportamentos desviantes", diz o historiador
Francisco Bilou. "Muitos morreram por ação direta da Inquisição, outros
eram enviados para as galés ou para os lugares mais longínquos do
reino."
No caso de Évora, Francisco
Bilou diz não existir uma certeza absoluta sobre o local onde eram
montados os cadafalsos, embora esse sítio fosse seguramente entre a
fonte da Praça do Giraldo e a Igreja de Santo Antão. "As vítimas saíam
em procissão desde o palácio da Inquisição, com os jesuítas à frente,
desciam a Rua 5 de Outubro e eram encaminhadas para um palco em torno do
qual tinham sido levantadas diversas bancadas."
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Aí
chegadas, restava-lhes esperar pela leitura das respetivas sentenças:
"Algumas tinham de se retratar publicamente, outras eram açoitadas,
outras deportadas. Os casos mais graves culminavam com a queima dos réus
numa fogueira."
Segundo Francisco Bilou, uma vez conhecida
a sentença e "lidas as penas", a Igreja não ficava a ver a consumação
do castigo: "Entregava o réu ao braço secular da justiça e a hipocrisia
chegava ao ponto de dizerem que uma determinada pessoa deveria ser
queimada, mas não deveria ser morta."
"Era
uma festa, às vezes com o rei a assistir, um espetáculo que culminava
com uma fogueira destinada a fazer o que diziam ser a justiça."
O
historiador refere que qualquer "comportamento estranho" era suficiente
para a abertura de um processo, algo que surgia diariamente fruto de
uma "rede de cumplicidades e denúncias". Entre os casos que estudou,
destaca o de um rapaz de 9 anos que teria dito em público "viva a lei de
Moisés, abaixo a de Cristo".
"Foi
denunciado à Inquisição por uma pessoa que dizia estar na rua para ir
rezar a ave-maria. Ficou a suspeita de o miúdo estar tomado pela bebida,
sem culpa alguma, mas ainda assim passou mais de um ano na prisão e foi
condenado ao pagamento das custas, a alguns açoites e a vir à praça
pública dizer que estava arrependido. Um requinte de malvadez", remata.
"Nom queria comer nem come touçinho nem carne de porco"
Entre
os muitos "pecados" de Justa Rodríguez, queimada em auto-de-fé na Praça
do Giraldo a 23 de setembro de 1543, constava o da alimentação. "Nom
queria comer nem come touçinho nem carne de porco", escreveu o
inquisidor, que viu nesta vontade da ré um claro indício de judaísmo,
religião que proíbe o consumo de diversos alimentos.
De
origem espanhola, a mulher foi condenada por se ter desviado da "Santa
fé católica" nos anos que antecederam a sua prisão no aljube de Évora.
No processo é acusada, por exemplo, de ter lavado o cadáver do segundo
marido derramando a água dos cântaros "ao modo e maneira que os judeus
fazem a seus mortos", de ser vista a seguir os "ritos e cerimoniais" da
lei judaica e de em certa ocasião ter negado que Jesus Cristo fosse o
messias enviado por Deus.
Perante a
gravidade das acusações, a Inquisição de Évora não teve dúvidas em
considerá-la "herege e apóstata" (quem renuncia a uma determinada
religião), condenando-a à pena mais grave.
Destino
idêntico teve Luis de la Penha, garrotado e queimado na fogueira em
1626, depois de ter ganho fama como vidente e curandeiro. "Benzia
enfermos, dizendo orações e palavras em voz baixa de modo que se não
podiam ouvir e tinha um livro de quiromancia pelo qual vendo a mão de
muitas pessoas dizia e adivinhava coisas que estavam por vir", registou o
inquisidor Francisco Barreto, acusando ainda o réu de ter "muitos
papéis escritos de sua letra, nos quais se continham invocações do
Demónio, sortes para adivinhar, caracteres incógnitos e muitas orações
supersticiosas e coisas tocantes à danada arte de magia e feitiçaria".
Nascido
em Espanha, Luis de la Penha foi "denunciado, preso e sentenciado pela
Inquisição em 1619", diz o historiador Francisco Bilou. Libertado uma
primeira vez, acabaria por ser novamente preso e, desta vez, condenado à
fogueira "porque a Igreja não tem mais que fazer com o réu por usar mal
a misericórdia que no primeiro lapso lhe foi concedida".
* "santa inquisição" a "santa barbaridade" do marketing católico, não é barbaridade única cometida por esta colectividade de fé.
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