27/06/2019

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"DINHEIRO VIVO"
“Ver violência doméstica separada
 do trabalho não permite resposta
 mais eficaz”

A OIT olhou para um problema social e deu-lhe resposta económica na sua última convenção. Patrões portugueses votaram contra as recomendações.

“Ver violência doméstica separada do trabalho não permite resposta mais eficaz”

A OIT olhou para um problema social e deu-lhe resposta económica na sua última convenção. Patrões portugueses votaram contra as recomendações. 
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Manuela Tomei, diretora da OIT para a Igualdade e Condições de Trabalho. 
(Reinaldo Rodrigues/GlobalImagens)
Não é uma questão do trabalho, mas está a partir de agora a ele ligada à luz do direito internacional e será adotada em breve por Portugal. Os membros da Organização Internacional do Trabalho comprometem-se a mitigar os efeitos da violência doméstica no trabalho, sempre que seja praticável. A organização vai mais longe. Quer que empresas e sector público acomodem mais as necessidades das vítimas. Por exemplo, permitindo mudanças de posto de trabalho ou de turnos. Mas os patrões portugueses estão contra.

Mais de 270 países deram na passada semana acordo a um novo tratado internacional, a Convenção sobre Assédio e Violência no Trabalho, que agora será ratificada e cuja aplicação será vigiada. Governo, trabalhadores e patrões deram o sim ao texto de princípios, mas divergiram na opinião sobre como devem ser alcançados. As recomendações, que pela primeira vez introduziram orientações específicas sobre como o local de trabalho deve lidar com vítimas de violência doméstica, receberam voto contra dos empresários portugueses, com liberdade de escolha nesta votação face aos congéneres internacionais.

Não foram os únicos. Patrões alemães e dinamarqueses também recusaram as recomendações. Franceses, espanhóis e italianos abstiveram-se. A discórdia teve na origem a inclusão das recomendações sobre violência doméstica no texto.

“Alegam que não são responsáveis e não podem ser responsabilizados pela violência doméstica. Claro. E não é isso que diz a provisão. O que diz é que, quando a violência doméstica afeta um trabalhador cria uma série de problemas no local de trabalho com os quais é preciso lidar de algum modo”, argumenta Manuela Tomei, a diretora da OIT para a Igualdade que negociou a convenção.

 A OIT avança respostas para o problema que passam por as empresas orientarem vítimas para serviços de apoio e jurídicos existentes, por possibilitarem a transferência para outro posto de trabalho ou de horário – para que as vítimas não façam turnos noturnos em condições de isolamento, por exemplo – , por pedir intervenção de um juiz para proibir a entrada do agressor no local, ou ainda por atribuir um período de licença às vítimas para recuperarem e lidarem com processo de apresentação de queixa.

Algumas destas respostas já existem em Portugal, que reconhece as faltas justificadas das vítimas de violência doméstica. Mas Manuela Tomei defende que é preciso ir mais longe e vê no trabalho uma das chaves para libertar muitas mulheres, em Portugal e noutros países, das agressões. “O trabalho é aquilo que assegura a subsistência e independência necessárias a que as vítimas deixem uma relação abusiva, ao não dependerem economicamente dos parceiros. Ver a violência doméstica separada do mundo do trabalho não permite dar a resposta mais eficaz”, defende.

Uma resposta para serviços públicos saturados
A nova convenção vem definir, internacionalmente, o que constitui violência e assédio no trabalho. E o texto, que Portugal adota como seu, traz algumas novidades importantes, para além da que diz respeito à violência doméstica. Os países aderentes passam, por exemplo, a ser obrigados a tomar medidas para lidar com serviços públicos saturados que dão origem a situações de violência entre funcionários e utilizadores.

“A convenção lida com assédio e violência que envolve terceiros. Pode haver casos em que estes terceiros podem ser muito violentos com trabalhadores de serviços públicos, seja porque há longas filas, seja porque é preciso esperar demasiado ou a qualidade do serviço deixa a desejar. Mas o contrário também pode acontecer”, descreve Manuela Tomei.

Porque na origem destas situações está muitas vezes “um desencontro entre procura e a capacidade” de resposta, a saturação de serviços – de hospitais a repartições públicas – passa a ser considerada no âmbito da atuação das autoridades de trabalho. “Trata-se de uma questão de segurança e saúde no trabalho, portanto, é preciso organizar o pessoal e o local de trabalho de acordo com isso. Não se pode esperar ou estabelecer objetivos irrealistas que à partida nunca serão atingidos e que colocarão muita pressão nos trabalhadores dos serviços públicos”.

 O novo texto internacional vem ainda reconhecer situações de maior vulnerabilidade. Caso, por exemplo, de trabalhadores migrantes recrutados ilegalmente, e das mulheres, mais suscetíveis a tipos particulares de violência e assédio no trabalho.

* Patronato português coerentemente medieval.

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