15/12/2023

RITA GARCIA PEREIRA

 .



Jogar o jogo

do populismo

“Em política não se escolhe a companhia.”

 Nils Kjaer

Faço a minha declaração de interesses: procuro, embora nem sempre com sucesso, separar o que são as minhas simpatias pessoais das opiniões políticas que posso expressar. Continuo a achar que a maior virtude de um político é a honestidade porque tudo o resto é passível de ser aprendido mas, não existindo esta, a corrupção grassará. Não obstante, não consigo alinhar numa certa forma de estar que, alimentando-se do escândalo pelo escândalo, enquanto espera pelo próximo para obter uns cliques, nada reflete sobre o anterior e nada procura de facto mudar porque o seu negócio é exatamente esse.

Em pleno clima de festividades natalícias, o ambiente político em Portugal assemelha-se a uma batalha de trincheiras, cujas munições são servidas pelos órgãos de comunicação social e fornecidas a estes últimos por alguns interesses inconfessáveis.

Andamos presos ao ecrã, vendo as notícias como se de episódios de uma novela se tratasse, sem conseguirmos perceber que, quaisquer que sejam as cenas dos próximos capítulos, o que fundamentalmente está em causa é o Estado Social de Direito e os princípios mais basilares da democracia.

Quando nos atiram reiteradamente para cima com casos, casinhos e alegadas cunhas, a mensagem que passa é que os políticos são, todos, tendencialmente iguais e que de nada vale votar nuns ou noutros, a não ser que se elega um alegado Messias.

A História tem ensinado que a crença em personagens deste tipo, confessadamente fazendo percursos de puro populismo, nunca trouxe bons resultados. Não obstante, como estudos científicos recentes demonstram, a rapidez no acesso a informação, proporcional à falta de capacidade de refletir sobre ela, tem-nos tornado progressivamente mais estúpidos e mais desmemoriados. Somos capazes de inundar as redes sociais com as mais absurdas opiniões e de insultar tudo e todos, sem qualquer fundamento e sem termos qualquer conhecimento sobre a matéria, mas perdemos a aptidão de vislumbrar mais além, de pensar sobre as coisas e, mais importante do que tudo, de distinguir o bem do mal.

Hoje em dia, a cultura que se instalou foi a do “safar”. O que queremos é safar-nos em cada dia, como se na vida nada houvesse de mais relevante do que ser mais esperto do que os outros e obter um qualquer proveito, ainda que imerecido. Numa sociedade motivada apenas pelo instantâneo, pelo imediato, pelo curtíssimo prazo, o surgimento de líderes que tudo prometem e nada pretendem cumprir é natural.

No final das contas, se o caminho continuar a ser apenas este, é fácil perceber quem será o vencedor. Neste campeonato do populismo, os únicos vencedores são os que, não tendo qualquer interesse altruísta, apenas ambicionam tomar os lugares dos anteriores para fazer exatamente as mesmas coisas. Em política diz-se que não se escolhe a companhia. Podemos, contudo, escolhê-la nós. E mesmo que não consigamos optar pelos que venham a estar, temos sempre a hipótese de não ser cúmplice no jogo do populismo.

* Advogada

IN "NOVO" - 09/12/23.

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