HOJE NO
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Pais que procuram a melhor educação
para os filhos só podem ser trafulhas
Falsificar documentos, arrendar casas, abdicar da tutela
dos filhos ou pressionar directores são esquemas
usados para escolher a escola pública
Pai ou mãe que se preze faz tudo pelos filhos. E quando chega o momento de eleger a melhor escola pública o instinto maternal/paternal é capaz de superar os mais difíceis obstáculos. Pais preocupados com a educação dos filhos chegam ao ponto de falsificar documentos, arrendar casas ou abdicar da tutela dos seus filhos só para terem direito a uma vaga na escola que consideram ser a ideal.
Pais que a todo o custo querem matricular os seus filhos nas suas escolas preferidas não se importam de madrugar para serem recebidos pelo director. Nem sequer ficam constrangidos por continuar a insistir, na esperança que um director possa ser vencido pelo cansaço. Quando se trata da educação dos miúdos, uma boa parte dos pais começa a mexer os cordelinhos seis meses, ou até mais, antes do início do ano lectivo.
A escola pública é uma livre escolha até certo ponto. Só entram os filhos com os pais a trabalhar ou a morar na área de abrangência do agrupamento, a não ser que sejam portadores de deficiências ou tenham irmãos a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino. Caso contrário, sujeitam-se à lei das vagas.
As inscrições para o próximo ano lectivo estão feitas, mas só no final deste mês é que as direcções determinam quem são os novos alunos a entrar nas escolas. Só que, muito antes desta data, já os pais andam a rondar os directores. Vale quase tudo. Da chantagem psicológica ao "choradinho", até à teimosia sem limites, conta Maria do Rosário Gama, que até Junho dirigiu a secundária Infanta D. Maria (Coimbra), a escola pública mais bem colocada nos rankings dos exames nacionais: "É uma pressão muito grande, que este ano começou logo em Março. Cheguei até a ter um pai à porta da minha casa a dizer que não arredava pé enquanto o seu filho não entrasse para a escola."
Furar a lei O "assédio desmedido" não é contudo a estratégia mais comum, esclarece a professora que se aposentou este ano. Indicar o nome de outro familiar a residir mais próximo da escola para encarregado de educação do seu filho ou falsificar a morada são os subterfúgios mais recorrentes para furar a lei: "As escolas não têm como investigar todos os processos, a não ser que se deparem com casos flagrantes, como já aconteceu há uns anos ter cinco alunos de famílias diferentes a residir na mesma morada."
Na secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, desde Maio que o director diz receber todas as manhãs entre cinco e seis pais ansiosos por saber o que é preciso fazer para os seus filhos entrarem na escola. "Querem conhecer como funciona a escola, quais são os critérios. Eu percebo a ansiedade deles, mas digo--lhes que mais não posso fazer do que aplicar as normas", conta Manuel Esperança.
Se Maio é muito cedo, noutra escola bem classificada nos rankings nacionais, os telefonemas, os emails ou os faxes dos pais começaram a chover logo em Janeiro. As solicitações no início do ano servem apenas para os pais perceberem se as suas moradas coincidem com a área de influência da escola. Só depois é que surgem as tentativas para contornar as regras, explica o director de uma escola básica da Grande Lisboa que só contou ao i as trafulhices dos pais sob a condição de manter o anonimato.
Nesta escola os documentos são passados a pente fino, garante o director, mas esse zelo tem um preço. "São muitas e muitas horas que perdemos a verificar os processos. Diria que, se as informações estivessem correctas, metade dos alunos, ou até mais, tinha pais separados e entregues a familiares, o que seria grave e obrigar-me-ia a alertar a Comissão de Protecção de Menores", ironiza.
E, mesmo assim, ainda há quem consiga enganar este director: "No ano passado, um pai veio ter comigo para dizer que ter o filho na minha escola saiu caro mas valeu a pena." Sendo a escola pública gratuita, o director estranhou o queixume e só ficou esclarecido com a confissão do encarregado de educação: "Arrendou uma casa, pagou dois meses de caução e mesmo assim está convencido de que foi a melhor opção."
Lei omissa. Detectar fraudes é, no entanto, um trabalho que poucas escolas conseguem fazer, adverte Manuel Esperança. A actual lei, aliás, nem sequer especifica que o encarregado de educação tem de ser o pai ou a mãe e, por isso, esse é um dos principais trunfos usados. "Em boa parte dos casos, quando os pais nomeiam o avô ou a avó como encarregado de educação nem considero que seja fraude, tendo em conta que os alunos passam a maior parte do tempo com eles", defende o director da secundária José Gomes Ferreira.
Em casos de falsificação de documentos será sempre possível pedir comprovativos, mas perante a quantidade de processos para analisar, esse controlo nunca é rigoroso, admite Manuel Esperança. Carlos Santos, da secundária Dr. Joaquim de Carvalho, na Figueira da Foz, assegura que exige comprovativos para tudo: recibos de água, luz, renda e tudo o que dificulte a fraude: "Estou na direcção desta escola há 14 anos e nunca tive um ano em que não tivesse de me deparar com pais a reclamar."
* Realmente comovente este amor paternal a ensinar aos filhos os primeiros passos do manual da trafulhice
.