04/12/2012

DIANA PIMENTEL





"Cores vivas da vida" 

Maior do que alegria, experimento o que intuo ser o espanto feliz de ser tocada por "outra vida", que revivo, como se renascida. 

O futuro acontece Antes era o silêncio. Antes era o espaço. Entretanto começou outro ano, um novo tempo. Perto da janela ampla, a toda a largura da varanda, esteve um cavalete nu, com marcas ao acaso de cores antigas. No recanto de uma pequena mesa, uma paleta  (ainda) branca, cores (quase) a espreitar, um copo alto, transparente, com pincéis pousados à espera de uma mão. 

Um dia - sem medida no calendário - surge uma tela semelhante a uma folha de papel em branco, a uma outra escala: um esboço a lápis, um rosto (ainda) impreciso e indeciso que parecia perguntar se haveria de ter cor, corpo. O seu olhar interrogava-me como reflexo de um rosto inacabado: senti o futuro a começar a acontecer.

À luz primeira de tantas manhãs, o mesmo silêncio, o mesmo espaço. Em murmúrio, o tempo muda: "no decurso da obra, as cores vivas da vida ensombreiam-se, dançam e libertam-se da visão. Uma grande comoção deflagra" ("Being Beauteous", Rimbaud). As mãos moveram-se, silenciosas, livres, como se respondessem ao olhar que antes se tinha esboçado. 
 Haveria de ser cor, corpo. Ocres, as cores: amarelas, avermelhadas, acastanhadas. Luz, calor, combustão. Nascimento e ocaso, a vida a cores, vivas.
A memória (emudecida) conduziu a mão (ágil) que deu vida a tão intensas figuras: olhares que confiam, uns; outros ausentes, sem se tocarem; corpos deitados, ao abandono, ou próximos, íntimos, lado a lado. Moram dentro de enquadramentos (por dentro das telas) que são lugares que podemos habitar, a que sabemos pertencer, ser. "O que será?", "o que seremos?", perguntam-nos estas mulheres. Parecem dialogar ou silenciar-se (entre si, connosco?). 

Em cada tela (agora) não mais o eco, (agora) não mais o vazio: "algo apaziguador deve aproximar-se de mim vindo de longe e sou forçado a sorrir e a admirar-me por experimentar alegria no meio de tão grande sofrimento" ("Elegias", Hölderlin). 

Por cada recanto e parede onde agora se dão ao olhar (na exposição intitulada "Angels" a ver no renovado Funchal Ateneu Café até dia 30 de Dezembro), estas mulheres transportam - sombras iluminadas - o percurso de uma vida, do passado, de toda a memória, do que se não diz: "e assim o tempo rodopia em mudança e luta e aos amantes uma outra vida é concedida" ("Elegias", Hölderlin). 

Não sei palavras que digam o que senti ao consentir demorar-me e ser habitada por esta belíssima e rara série de quadros de Teresa Brazão. Talvez a minha melhor forma de o compreender seja declarar, silenciosamente, que aconteceu em mim um "diálogo confiante, num uníssono canto interior, num âmbito de paz. Um sopro sagrado que percorre divinamente a figura de luz" ("Elegias", Hölderlin). As figuras de luz nascidas pela mão e pelo olhar de Teresa.

Passou muito tempo. Passará outro tanto tempo, maior. Não sei senão perguntar "porque demorei tanto, tanto tempo a procurar-te por pálidos caminhos terrestres, habituado a ti, errante, Anjo da alegria"  ("Elegias", Hölderlin).
Sorrio, em tão certo "uníssono canto interior" (aprendido com Teresa Brazão), ante as "cores vivas da vida" que tão intensamente tocam quem com o olhar e os sentidos as toca.  Maior do que alegria, experimento o que intuo ser o espanto feliz de ser tocada por "outra vida", que revivo, como se renascida. O futuro acontece.

 Professora universitária

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
02/12/12

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