HOJE NO
"PÚBLICO"
"PÚBLICO"
Documentos ligam acção de
Passos, Relvas e da Tecnoforma
Memorandos da Ordem dos Arquitectos mostram que os dois políticos tentaram "vender" projecto da empresa inspirado no dos aeródromos municipais.
Passos Coelho e Miguel Relvas tentaram, em 2003 e 2004, que a Ordem
dos Arquitectos se associasse à Tecnoforma para desenvolver um programa
de formação profissional proposto por aquela empresa, e financiado pelo
programa Foral, com o nome Autarquia Segura, a pretexto de
"normativas europeias". O objectivo era formar técnicos das câmaras
municipais que pudessem executar planos de emergência para os edifícios
de todas as câmaras do país. Isto à imagem do projecto em que a empresa
de que Passos era consultor e foi depois administrador estava então
envolvida para os aeródromos municipais da Região Centro.
O PÚBLICO revelou, em Outubro, que Passos Coelho, em
representação da Tecnoforma, tinha actuado em simultâneo com Miguel
Relvas, à época secretário de Estado da Administração Local, com vista a
angariar contratos para aquela empresa de formação profissional. Os
dados então disponíveis apontavam claramente nesse sentido.
Dois
memorandos então redigidos por uma dirigente da Ordem dos Arquitectos
(OA) a que o PÚBLICO teve agora acesso confirmam a relação directa entre
as iniciativas de um e de outro. O projecto que ambos propuseram à
ordem, então presidida por Helena Roseta, não só visava o mesmo
objectivo, como tinha o mesmo nome: Autarquia Segura.
No
início de Dezembro de 2003, Relvas convidou Helena Roseta para uma
reunião. O que resultou desse encontro foi resumido nove anos depois, no
início deste Verão, pela antiga presidente da OA. Em declarações à SIC,
Roseta afirmou que Relvas lhe propusera a realização de cursos de
formação para arquitectos das autarquias, garantindo que havia fundos
europeus disponíveis para o efeito no programa Foral (formação para as
autarquias locais), por ele tutelado. A condição, denunciou a
arquitecta, foi a de que a OA contratasse a execução do projecto à
"empresa de Passos Coelho".
Documentos internos da OA e
declarações de Relvas e Passos credibilizaram, entretanto, as afirmações
da antiga presidente da ordem, evidenciando que os dois tinham agido em
simultâneo e com a mesma finalidade, conforme o PÚBLICO noticiou no dia
14 de Outubro.
Os dois memorandos redigidos em 2004 por Leonor
Cintra Gomes, então membro do conselho directivo nacional (CDN) da OA, e
que agora foram conhecidos, ajudam a perceber como as coisas se
passaram.
O primeiro, relativo a uma reunião realizada em 21 de
Janeiro de 2004, em que, a pedido de Helena Roseta, aquela dirigente da
ordem recebeu Passos Coelho e o então director-geral da Tecnoforma, Luís
Brito, mostra desde logo um dado novo: Passos comparecia em
representação da Tecnoforma, mas também da empresa LDN, uma firma de
consultoria de um ex-deputado do PSD e ex-vice-presidente da JSD, Luís
David Nobre, que tinha igualmente relações profissionais com a
Tecnoforma.
De acordo com o documento, a proposta trazida por Passos Coelho prendia-se com um projecto da Tecnoforma denominado Autarquia Segura.
A ideia era formar arquitectos das câmaras para que todas as autarquias
pudessem dispor, até 2007, de "planos de emergência para todos os
edifícios públicos face a normativas europeias", não especificadas.
A
iniciativa - explicaram os representantes da Tecnoforma - surgiu na
sequência de um outro projecto da empresa, igualmente financiado pelos
fundos europeus do Foral, que estava então a dar os primeiros passos
para formar técnicos de aeródromos e heliportos municipais. Também nesse
caso a justificação do investimento público nas acções propostas pela
Tecnoforma - 1,2 milhões de euros aprovados para formar centenas de
trabalhadores destinados a sete pistas de aviação da Região Centro que
empregavam apenas dez pessoas - foi a de que os regulamentos
internacionais obrigavam todos os aeródromos e heliportos a ter planos
de emergência até 2005.
Para dar corpo à parceria entre a empresa e
a OA, Passos Coelho propôs a celebração de um protocolo em que a
Tecnoforma ficava como "entidade formadora" e a ordem como "promotora"
das candidaturas - podendo associar-se a entidades como a Ordem dos
Engenheiros ou ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
Leonor
Cintra Gomes anotou no seu memorando que, face a uma referência que fez
às escassas disponibilidades financeiras da OA, lhe foi respondido que
"as acções inseridas no programa Foral não trariam custos, porque todas
as despesas ficavam cobertas". O valor destinado aos formadores seria de
37,5 euros por hora, havendo também um valor/hora por formando de 4,99
euros para "outras despesas", como a promoção dos cursos, a organização,
os manuais e a logística. A título de exemplo, os representantes da
Tecnoforma explicaram que numa acção de formação de 20 horas para dez
arquitectos, haveria 998 euros para "outras despesas" e 750 euros para
os formadores, sendo a empresa a pagar-lhes.
Passos Coelho e Luís
Brito explicaram que as candidaturas deveriam ser apresentadas em
Março/Abril, para os cursos começarem em Junho. Em reacção a esta
proposta, a arquitecta informou que a iria analisar com a direcção da
ordem e com os responsáveis pela área da formação nas secções regionais.
O assunto arrastou-se depois nas secções norte e sul, que acabaram por
não se pronunciar, não tendo o CDN chegado a dar qualquer resposta
formal à Tecnoforma. De acordo com antigos dirigentes da ordem, isso
ter-se-á devido não só ao desinteresse das secções regionais, mas também
ao facto, relatado por Helena Roseta, de Miguel Relvas ter condicionado
a colaboração com a OA à contratação da Tecnoforma.
Nos termos do
segundo memorando elaborado por Leonor Cintra Gomes acerca deste
processo, já no final de 2004, a Secretaria de Estado tutelada por
Relvas tinha proposto (como consta de uma acta da primeira reunião do
CDN posterior ao encontro entre Relvas e Roseta, em Dezembro de 2003) a
celebração de um protocolo entre ela e a OA.
O documento enviado à
ordem, lê-se no memorando, contemplava precisamente o apoio a dar por
esta organização a "uma acção a integrar no programa Foral, denominada Autarquia Segura - Prevenção e segurança de edifícios, equipamentos e infra-estruturas municipais".
O objectivo dessa acção consistia em "dar formação para a elaboração de
planos de segurança e planos de emergência em interacção com organismos
de protecção civil e bombeiros".
Em princípio, segundo a
proposta da secretaria de estado de Relvas, as acções contariam com oito
a 12 participantes e abrangeriam todos os municípios do país,
totalizando 1100 horas cada, em cerca de 31 semanas.
Nas suas
observações, redigidas provavelmente para memória futura numa fase em
que, ao que tudo indica, a ordem já teria perdido interesse na proposta
de protocolo devido à condição posta por Relvas, a arquitecta nota que
"a cooperação da OA no programa Autarquia Segura carece de clarificação". E conclui: "O programa Autarquia Segura não
se enquadra nas acções de formação propostas no Encontro de Arquitectos
da Administração Pública" realizado em Abril desse ano.
* Cada vez mais se percebem as razões porque Coelho não demite Relvas.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário