07/09/2012

PIEDADE LALANDA




A perfeição imperfeita

O mundo não é perfeito e muito menos as pessoas.
Mas, por vezes, quem se auto intitula de normal, confunde essa pertença normalidade com perfeição.
Na realidade, nem a normalidade nem a perfeição existem de modo absoluto. O que classificamos de normal mais não é do que uma forma padronizada de ser, adaptada a determinadas normas, relativa a um contexto. É sempre num quadro de referências que se é “normal” ou se atinge o grau “excelente”, que roça a perfeição tão ambicionada em avaliações de desempenho.
Não há pessoas nem vidas perfeitas. O ser humano é sempre imperfeito e tudo o que faz, por mais excelente que seja, pode sempre ser superado, melhorado, aperfeiçoado.
Este é o espírito das competições desportivas: superar-se, colocar a fasquia mais alta, o alter mais pesado, diminuir o tempo record numa distância, atingir novas metas.
Superar-se é sem dúvida o que nos ensinam os atletas dos jogos paralímpicos, que não têm a cobertura mediática dos outros, os olímpicos, mas que, nos últimos anos tem permitido a vários atletas portugueses ganhar desafios e conquistar medalhas. Nos jogos de Pequim, foram sete, uma de ouro, quatro de prata e duas de bronze.
Superar-se é mostrar o que as aparências não dizem, é desejar o que os outros dizem ser impossível, é não abalar a esperança nas condições mais adversas.
O maior problema destas pessoas que designamos deficientes, face ao padrão de saúde tido por normal, não está na cadeira de rodas, nas muletas ou na dificuldade de coordenação motora, mas no olhar daqueles que as avaliam por isso, que as classificam por aquilo que consideram serem as suas incapacidades.
A perfeição não está nas aparências, mas na simplicidade com que estas pessoas, mesmo quando vivem num mundo interior que poucos conseguem entender, te dizem bom dia e te oferecem um abraço sem receio. Nessa hora, caem as barreiras, os códigos e os modelos, e a perfeição mostra-se. Vem do mais íntimo dessas pessoas que tu não conheces, que se alegram com o que tu desvalorizas, que ficam contentes só porque tu lhes deste um beijo e lhe tocaste com ternura.
O mundo não é perfeito e muito menos o são as pessoas, que se julgam normais, detentoras do poder para excluir ou esquecer os diferentes. É triste pensar que, ainda hoje, há famílias que se envergonham de ter um filho deficiente, que deixam sozinho, abandonado à sua sorte.
Não há perfeição ou normalidade sem o seu contrário. Sempre que isolamos os diferentes, amputamos a sociedade, tornamo-la, aí sim, deficiente, incapaz, falsa.
A diferença não só traz riqueza às relações, como relativiza os padrões de normalidade, de sabedoria e equilíbrio, quantas vezes forjado e aparente.
Nos jogos paralímpicos, mais importante do que as cadeiras de rodas, as próteses ou a estatura dos atletas, é a força, a tenacidade e a crença que todos afirmam nas suas capacidades. É a ambição, a perfeição, que vem de dentro.
Todas as televisões do mundo deviam transmitir em direto os jogos paralímpicos. Talvez melhorássemos essa visão negativa, que ainda hoje existe, perante aqueles que são a prova, de como a vida humana é uma perfeição imperfeita.•


IN "AÇORIANO ORIENTAL "
04/09/12

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