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A Europa e o Estado
O Governo tem a obrigação de transformar a máquina do Estado, a reboque de uma crise única, numa estrutura empresarial competente, que cumpra os seus compromissos em tempo útil.
As duas
primeiras reuniões do Conselho Europeu relativas a março foram
tranquilas. Tratou-se de coordenar os esforços da União ao nível dos
contactos permanentes dos ministros da Saúde e do Interior, para
respostas conjuntas; tomar medidas para travar a progressão da Covid-19;
garantir o fornecimento de equipamento médico, sobretudo máscaras e
ventiladores; promover a investigação (em direção à futura vacina);
apoiar os cidadãos retidos noutros países fora da Europa e combater as
primeiras consequências sociais e económicas da crise.
Agora,
encaminhada a fase de combate à doença do coronavírus, entra-se num
outro momento igualmente difícil: alinhar uma resposta europeia à
recessão que se seguirá a este período de abrandamento da economia – e
ainda não se sabe quanto tempo durará.
Estamos perante um desafio totalmente novo colocado à União Europeia.
Primeiro, esta não é uma crise financeira, como foi a de 2008/09, espoletada pelo subprime
e a falência do Lehman Brothers. Esta é uma crise económica, do
consumo, em princípio demarcada no tempo, e que, ao contrário daquela
que se abateu sobre a dívida e os correlativos défices, atinge todos os
países por igual. Desta feita, não tem cabimento a lógica argumentativa
do norte responsável contra o sul calão e gastador.
Sendo esta uma
crise geral, a Europa está colocada perante um teste decisivo à
capacidade de encontrar soluções capazes de responder aos anseios dos
cidadãos em matérias básicas, como o emprego e a manutenção da saúde das
empresas.
Já se percebeu que alguns países, entre os quais
Portugal, e a que se juntou agora a França, gostariam de retomar o tema
da mutualização da dívida, seja de carácter mais geral (os reclamados Eurobonds) ou mais específico (os Coronabonds).
Faria sentido. Não é possível haver uma Europa justa enquanto o
financiamento aos Estados e às empresas tiver custos diferenciados;
enquanto o dinheiro for mais barato no norte do que no sul, com o que
isso representa de competitividade da economia de cada um dos países.
Já
se percebeu, no entanto, que o caminho não passará por aí ainda desta
vez. A ajuda aos Estados vai ser alavancada a partir do Mecanismo de
Estabilidade Europeu (MEE), que sucedeu à troika para ajudar em momentos
de crise de financiamento. Basicamente, cada país poderá ter acesso a
2% do PIB, o que no caso português dará acesso a cerca de 4,2 mil
milhões de euros (e cerca de 68 mil milhões à Alemanha, 24 mil milhões à
Espanha, 16 mil milhões aos Países Baixos…). Talvez seja ainda curto,
mas este é o estado do problema europeu ao nível do financiamento da
economia, que tem de ser resolvido não perdendo de vista o
descontentamento de largas faixas de cidadãos, conquistados por
populismos vários, tanto de direita como de esquerda.
Existe, no
entanto, um plano nacional em que o Governo e o primeiro-ministro não
podem falhar: o combate à morosidade do Estado português. Não valerá a
pena haver dinheiro europeu mais barato, a que se somará as políticas
nacionais, sobretudo de apoio fiscal, de diminuição temporária de
contribuições e linhas de crédito articuladas, se a administração
central não aproveitar esta mesma oportunidade para acelerar o tempo de
reação às necessidades da economia, das empresas. Se este desafio não
for ganho, se o dinheiro das diversas ações não for desbloqueado em
tempo útil, se for pedido às empresas o esforço de terem de avançar com
responsabilidades e ficarem meses à espera pelas devidas compensações,
então teremos um problema acrescido, catalisador do desemprego que
inevitavelmente surgirá.
Este último desafio não é europeu, não é
de reivindicar – é nacional e é de fazer; de transformar a máquina do
Estado, a reboque de uma crise única, numa estrutura empresarial
competente. Como sabemos, por muito que custe ouvir, nunca o foi. “O
Estado não é pessoa de bem” é uma frase muito proferida que temos de
fazer passar à História. A ver se seremos capazes.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
27/03/20
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