19/07/2019

ALEXANDRA DUARTE

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“És boa como o milho!”
(só nas redes sociais)

Impõe-se a produção de legislação que proteja os utilizadores das redes sociais através de um código de conduta socialmente irrepreensível, que balize a forma adequada de expressão.

A França acabou de aprovar um projeto de lei que tem como objetivo terminar com os discursos de ódio no espaço digital, onde as plataformas das redes sociais são os veículos privilegiados para este tipo de ocorrências. Uma iniciativa legislativa que não tardará a ser replicada noutros Parlamentos nacionais, exceção feita à Alemanha que, desde o início do ano, já tem em vigor o Network Enforcement Act, o qual estabelece a retirada de conteúdos violentos ou de conteúdos com discursos de ódio em prazos que podem ir desde as 24h seguintes à publicação até sete dias.

Desde que surgiram as redes sociais e parte da população mundial migrou para o espaço digital, várias horas por dia, submergindo num mundo onde tudo era possível e estava disponível à distância de um simples clique, fomos assistindo a um desenrolar de situações perversas e descontroladas, próprias da ausência de legislação e de fiscalização pelas entidades responsáveis. Não havendo legislação adequada a estas novas realidades, as entidades fiscalizadoras e reguladoras tiveram muitas dificuldades em intervir em situações de exageros e de ofensas, para as quais não tinham resposta e meios para travar os abusos, permitindo, desta forma, que se agravassem estes comportamentos desviantes numa bolha onde todos nos encontramos desprotegidos e à mercê da maldade pura ou da estupidez.

O Facebook conta com 2 mil milhões de utilizadores em todo o mundo, o Instagram contabiliza mil milhões, o Snapchat já vai em 190 milhões e o Twitter, com a ajuda de Donald Trump e dos seus comunicados por esta via, conseguiu aumentar para 126 milhões de utilizadores, invertendo a tendência decrescente a que estava votado. Em Portugal, mais de 60% da nossa população frequenta as redes sociais, um número que se cifra nos cerca de 5,3 milhões de portugueses que têm lugar marcado numa ou em várias das plataformas que enunciei. Somos muitos a viver noutro mundo, um mundo sem regras, diga-se… mas que é incontornável, e mesmo aqueles que por lá não andam não estão a salvo de serem chicoteados publicamente ou insultados.

Convém referir que o conceito de discurso de ódio se circunscreve unicamente a formas de expressão discriminatória de natureza racial, sexual, religiosa, nacional ou de género. Mas não poderá um discurso de ódio ser muito mais abrangente do que estas discriminações?

Aqui há uns tempos, o Tribunal da Relação de Lisboa foi notícia por ter condenado um taxista a dois anos de prisão por este ofender a sua mulher chamando-lhe nomes feios (todos percebem!), atentando contra a saúde psíquica e emocional da vítima e ferindo a dignidade da pessoa humana. Talvez se o ato tivesse ocorrido via Facebook, o homem em causa não tivesse sido condenado a uma pena de dois anos, mas como não teve esta clarividência, lá terá de cumprir a pena.

Nas redes sociais, tudo é permitido, desde comentários pestilentos até à verborreia repetida de quem não tem mais nada para dizer, tendo perfeita consciência de que está impune, mesmo no que diz respeito ao julgamento social, porque basta ter uns quantos seguidores verborreicos para anular logo qualquer voz mais sensata e virtuosa. Por outro lado, temos uma lei antipiropo, uma originalidade do Bloco de Esquerda, que pune quem tiver a ideia de fazer um comentário rude e sexista e desatar a gritar do outro lado da rua: “És boa(m) como o milho!”. Mas, se for no Instagram, já é aceitável.

Estes dois breves exemplos parecem-me suficientes para concluir que os comportamentos que são criminalizáveis e censurados socialmente, caso ocorram na rua, também o devem ser nas redes sociais. Não devemos continuar a ser cúmplices de uma cultura de despejo visceral, sem qualquer controlo, com efeito viral e que contagia os mais fracos que por lá andam. Impõe-se a produção de legislação que proteja os utilizadores das redes sociais através de um código de conduta socialmente irrepreensível, que não restrinja a liberdade de expressão, mas que balize a forma adequada de expressão, evitando a exposição ao cyberbullying, que não é exclusivo dos adolescentes, mas transversal a todos os que não são bem formados, tenham a idade que tiverem.

Poderia aqui também fazer uma referência a artigos de opinião que são verdadeiros incitamentos a estes comportamentos quando se esquecem da sua responsabilidade enquanto opinion makers e escrevem de forma tão ardilosa e despudorada, destilando repulsa excessiva, que roça o ódio nas palavras que escrevem sobre outras pessoas. Uma vergonha alheia que sinto ao ler alguns destes artigos, mas compreendo que se tenha tornado um desporto nacional na luta pelo lugar no pódio do maior número de likes e de partilhas.

Não alinho. Não consigo enveredar pelo caminho mais fácil da maledicência. Mas isto fica para outras núpcias.

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15/07719

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