27/06/2019

MAFALDA G. MOUTINHO

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Viver no campo vai
 ser tendência e ainda bem

A ideia de abandonar o que conhecemos para o que não conhecemos é difícil, mas saibamos preencher Portugal de norte a sul, este e oeste, porque as nossas grandes cidades já quase não são portuguesas.

Todos nos recordamos do triste dia no qual alguém se lembrou de convidar os jovens portugueses a emigrar porque o país não estava a criar oportunidades para as novas gerações, ao invés de serem procuradas, e apresentadas, soluções para este problema a curto, médio e longo prazo.

Década após década, perdemos a oportunidade única de cumprir Portugal tal e qual nos dizia Fernando Pessoa.

Portugal é um país relativamente pequeno, no qual uma grande parte da população e dos seus recursos estão concentrados apenas nalgumas cidades no litoral e parece não existir vontade por parte dos nossos governantes para inverter esta situação.

Vejamos o Alentejo que aguarda, há anos, pelo seu hospital central, na cidade de Évora. No entretanto, quantos hospitais surgiram nas grandes cidades?

Vamos desejar que um filho estude, trabalhe ou forme família numa cidade sem acesso a um hospital a curta distância?

E quem diz um hospital poderá falar em escolas e noutros recursos, indispensáveis para retirar populações às grandes cidades, estimulando a economia no país de norte a sul, este e oeste.

Quando olhamos para os jovens, que são o retrato do presente e do futuro do país, desejamos que tenham emprego e acesso à habitação para, no segundo seguinte, o negarmos porque não investimos de forma equitativa em todo o território e permitimos que o turismo consuma as grandes cidades, de forma desmedida e insustentável, retirando oportunidades e condições de vida a tudo e a todos.
Investimos no turismo, alimentando as famílias que dele vivem, que, diga-se de passagem, são uma minoria no espectro populacional português.

Que país estamos nós a criar e para quem?
Que Portugal é este, no qual os mais jovens têm de acampar ou dormir em veículos para que não percam a sua matrícula numa universidade?

É um infortúnio não nascer ou não ter família em cidades como Porto e Lisboa?
Colocar um tecto máximo de cerca de mil euros para o aluguer de um T2 numa cidade como Lisboa é uma solução no Portugal real?

Quantos casais jovens têm 1000 euros para colocar de parte por mês apenas para a renda da casa?
A intenção, é certo que é boa, mas não chega, tal como não chegam para tantas pessoas os planos de renda convencionada desta vida que, entre cada concurso com 2000 candidatos, seleccionam apenas entre 14 e 22 habitações.

A solução para tudo isto está na saída das nossas casas citadinas, ali bem ao lado nas placas da autoestrada, que dão acesso aos caminhos do Portugal profundo.

A solução passa por uma vida ideal, repleta de qualidade de vida, no nosso interior, no Portugal profundo, no Portugal por descobrir e por explorar, no qual se respira ar puro e não existe trânsito.

Um Portugal onde podes adquirir um terreno e depositar a casa modular dos teus sonhos por um montante que não terás, seguramente, que ficar a pagar a vida toda como terias de fazer por um apartamento na cidade ou pela habitação de aluguer que nunca vai ser tua e vai consumir, mês após mês, grande parte do teu salário, colocando os teus sonhos e as tuas viagens pelo mundo em segundo plano.

Neste Portugal que sugiro, até poderás ter que trabalhar na cidade o que não é problemático visto que até temos das melhores estradas da Europa. Entretanto quando saíres de casa de manhã, para trás ficará a tua esposa ou o teu marido e o teu filho que sabes que vai respirar ar puro, vai poder brincar na rua, e cuja probabilidade de contrair uma doença respiratória crónica é bem inferior à probabilidade de a contrair vivendo numa grande cidade.

A tua eletricidade vai chegar à tua casa através de painéis solares.

Não será esta solução melhor do que a emigração?
Melhor do que abandonar as raízes, a família, os amigos, a terra, a comida e a participação no fluxo económico do teu país?

Vais ser um urbano no campo, alguém que vai reaprender a viver, ao invés de sobreviver, que é, aliás, o fado triste dos millennials e das gerações mais novas ainda.
Hoje, são milhares as pessoas que apenas necessitam de um computador e de Internet para trabalhar e está claro que, no futuro, vão ser, seguramente, muitas mais.
Para estas pessoas é indiferente estar a viver num apartamento minúsculo na cidade ou numa casa no Alentejo.

Vais-me dizer, já de seguida, que sou lunática, uma vez que não existe rede móvel no monte?
Tens razão, mas isto da Internet, das redes móveis e de tudo o resto é uma questão económica para as operadoras.

Estou certa que, se existirem clientes e população, a fibra acaba por se disseminar à velocidade da luz por toda a parte.

Vais-me perguntar pela cultura, pelo teu cinema e pela movida nocturna, elementos sem os quais, como bom Millennial, não sabes viver?

Vamos pensar em que regiões se realizam os melhores festivais portugueses?
Pois é, a cultura é construída pelas pessoas nesses descampados espalhados pelo Portugal profundo.
No campo o conceito, tão em voga, de slow living é uma realidade quase obrigatória bem como nos é oferecida, de forma sedutora, o botão off das tecnologias que nos preenchem de miopia física e emocional, abraçando assim o chamamento da natureza e daqueles que amamos.

Eu sei que a ideia de abandonar o que conhecemos para o que não conhecemos é difícil, ainda por cima, imaginar fazer isso para onde ainda não existe quase nada.
Mas também não tenho dúvidas que essa ideia se torna bem mais atractiva quando é no nosso idioma e não noutro.

Saibamos preencher Portugal de norte a sul, este e oeste, porque a realidade é que as nossas grandes cidades já quase não são portuguesas, olhando para aqueles que as podem economicamente habitar e para os idiomas que falam.

Se a vida hoje não nos permite fazer omeletes na cidade porque não as fazer com ovos caseiros no campo?

IN "OBSERVADOR"
23/06/19

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