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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/03/19
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Famílias, como (não)
sobreviver com elas
Todas as mudanças que possam transformar o bom senso em lei podem ter efeitos multiplicadores. Até porque, nestes tempos, a erosão democrática é um perigo real.
Quem se surpreendeu com o escândalo da endogamia no governo? Não essa
pseudoindignação que está a fazer o seu caminho pondo em lume brando o
partido de um governo na pré-campanha permanente que seria sempre um ano
de duas eleições. Falo de uma indignação verídica. Sim, para quem,
nestes meandros entre a política, o poder económico, o mediático, a
administração pública, ou a elite que lê os jornais, para quem, entre
esses, é novidade a endogamia, o nepotismo, o amiguismo ou outros
critérios que não a meritocracia e a competência?
Na resposta a
esta pergunta está a gravidade da situação. Porque se ela for honesta
terá de ser negativa. E não acreditem na ingenuidade da classe
jornalística sobre o assunto. Ingenuidade é o que não podem ter - não
podemos ter - os jornalistas, anos e anos de contratações feitas através
de conhecimentos e sem processos formais de seleção, apenas com a
convicção (mais uma vez informal) da meritocracia, na melhor das
hipóteses.
Este mea culpa é também sintoma do problema.
No jornalismo, havemos de o avaliar, também, como parte da crise dos
media. No caso dos políticos, tem causas específicas, como o fechamento e
a profissionalização, a transformação dos partidos de máquinas
ideológicas em máquinas eleitorais, da captura de um sistema que gere
recursos escassos, da mudança de agulha, dos interesses individuais a
sobreporem-se aos coletivos. No caso das empresas, embora a questão
esteja mitigada nos processos seletivos, todos sabemos como o fator C, o
jeitinho, o desenrascanço, é ainda tanto a regra.
E qual é o problema? É que a endogamia não é um problema apenas em si. É
a consequência óbvia de uma sociedade pequena, periférica e sobretudo
pobre. E por isso é endémica e resistente. Em Portugal, os vários
estudos sobre a questão chegam sempre à mesma conclusão: os poderes
estão na mão de uma elite reduzida e fraca e há pouca mobilidade social.
"Portugal sempre teve uma elite política mais elitista do que as
outras", dizia o politólogo António Costa Pinto num trabalho do DN em
que se falava do assunto. Porque tem mais a perder. E esta endogamia
causa também uma sociedade mais pequena e pobre.
A utilidade de ter relações e conexões úteis não é um assunto
português, nem um tema que conduza inevitavelmente à corrupção dos
"fins". Em países maiores, meios mais modernos, democracias mais
desenvolvidas, economias poderosas, em todos eles existe o networking e o lobbying. O que vem depois é o que marca a diferença - a regulação dos "meios". O escrutínio sobre quem chegou onde e porquê.
Por
isso, todas as mudanças que possam transformar o bom senso em lei -
como li algures nestes dias - serão bem-vindas, e podem mesmo ter
efeitos multiplicadores. Até podemos deixar-nos enredar em pormenores -
os tais, repercutidos nas 16 perguntas com que o primeiro-ministro
respondeu ao PSD na Assembleia da República quando Fernando Negrão pôs a
questão da presença de familiares no governo.
De uma coisa temos
de ter a certeza: nestes tempos, sobretudo, perigosos - vejam o texto
sobre as redes sociais nesta edição -, tudo será aproveitado pelos que
têm interesse em degradar a política como a conhecemos. E a degradação
da confiança das instituições democráticas será, a médio prazo, a
degradação da democracia.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/03/19
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