20/11/2016

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ESTA SEMANA NA
"SÁBADO"
Conheça a mãe portuguesa com 30 filhos

As estantes da sala estão cheias de desenhos infantis e fotografias de crianças – ainda bebés, na praia, à volta da mesa de jantar. Há uma carta do dia dos namorados, com corações vermelhos e erros ortográficos: "Eu gosto da minha mãe, ela lava tudo e foi a minha porferida. Amote mãe querida. Soa filha Edina." E ainda uma placa rectangular cinzenta: "Diploma para a melhor mãe do mundo." Terminado o almoço no pátio da casa, com Jéssica, 14 anos, e Bruna, 12, a mãe Adalcinda Martins aponta para as molduras e vai apresentando a família: "Este é um dos meus netos, este é o meu filho Jota, estes dois são os meus filhos Valério e Valéria quando eram pequenos. São gémeos, que imaginação para nomes, não é?!"
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Adalcinda, ou mãe Cinda, como é conhecida na Aldeia SOS de Bicesse, nos arredores de Cascais, tem 59 anos e 30 filhos. Aos netos perdeu-lhes a conta: "Tenho muitos filhos solteiros. Mesmo assim, deixe-me ver, tenho o Afonso, o Luís, o Filipe, a Margarida... Os três da Mariana, mais um do Rodrigo, outros dois do Humberto... Os mais próximos são nove", é como encerra a contagem. Pelo menos por agora. Dentro de alguns meses, vai juntar mais um grau de parentesco à árvore genealógica e tornar-se bisavó. "Vai ser uma menina, filha da filha de uma filha minha."

Confuso? O mais incrível não é Adalcinda ter 30 filhos, nem sequer o facto de conseguir tratá-los a todos – e aos respectivos maridos e mulheres e filhos – pelo nome. O mais extraordinário é Adalcinda nunca ter tido enjoos matinais, desejos estranhos ou uma barriga proeminente.

Nunca gerou nenhum dos filhos a que se refere. Alguns, como Jéssica, Bruna ou Daniela, de 10 anos, vivem com ela nem há um mês, na casa de dois pisos e quatro quartos – três para as crianças, mobilados com beliches e armários coloridos e pejados de brinquedos, livros e roupa espalhada pelo chão; e um para a mãe –, para onde se mudou há 28 anos. Mesmo assim, quando chegam da escola, já a cumprimentam com um beijo: "Olá, mãe!"

A Associação das Aldeias de Crianças SOS de Portugal foi fundada em 1964, apartir do modelo instituído pelo austríaco Hermann Gmeiner, após a Segunda Guerra Mundial, no Tirol – e entretanto multiplicou-se pelo mundo. Já existem 533 aldeias, onde moram mais de 61 mil crianças e jovens. Em Portugal há quatro.

Na altura, o objectivo era socorrer órfãos de guerra, hoje as crianças acolhidas pela instituição foram, a maioria, retiradas às famílias biológicas, vítimas de negligência ou de maus-tratos. O que não mudou foi o princípio da instituição: os irmãos não devem ser separados e todas as crianças devem ter um lar. E uma mãe.
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No dia em que recebeu a SÁBADO, logo de manhã, antes de sair para uma reunião na escola de duas das filhas – neste momento vive com sete rapazes e raparigas, que compõem três grupos de irmãos, entre os 10 e os 17 –, Adalcinda explicou o que é ser mãe SOS. Sim, recebe um salário (cerca de 1.000 euros por mês); sim, tem uma folga porsemana e férias das crianças em Agosto (mas se elas adoecerem na colónia, como já aconteceu quando estava em Santiago de Compostela, volta a correr); e sim, tem de aceitar se algumas delas forem escolhidas para adopção ("Fico sempre muito dividida, angustiada, mas contente por elas, claro"). Mas ser mãe SOS não é de todo uma profissão, como lhe dizem por vezes. Chega até a ser ofensivo que a considerem assim.

Como ela, em Bicesse há neste momento outras sete mães. Cada uma tem uma casa, onde vive com os filhos (sete, em média). O espírito é de comunidade: há espaços comuns, como a piscina, o court de ténis, o campo de futebol, o clube onde se fazem as festas de aniversário, o salão onde se representam as peças de teatro e a despensa onde cada família pode ir buscar alimentos, detergentes e artigos de higiene doados à instituição. Há um motorista e vários carros disponíveis para as deslocações das mães – basta preencher um formulário na secretaria a dizer quando e por quanto tempo vão precisar deles.

Mas cada núcleo familiar é independente: Adalcinda é a encarregada de educação dos filhos e toma por eles todas as decisões, das disciplinas a frequentar na escola à ementa do dia, passando pela compra de roupa e calçado. "Fazemos tudo o que uma mãe faz."

Abandonou a ideia de construir uma família dita convencional aos 26 anos. "Vivia em Vagos, a minha terra, tinha acabado um namoro há pouco tempo e era escriturária. Não gostava. Uma colega soube da Aldeia e inscreveu-me. Vim, fiz uma entrevista e passei. Estou aqui desde então, sou a mais antiga." Diz não ter abdicado de nada, fez antes uma escolha. A avaliar pela quantidade de gente que lhe encheu a casa na consoada passada– "Éramos mais de 30" – acertou.

Também não tenciona aposentar-se quando fizer 65 anos. Afinal, que mãe é que pede a reforma? Mesmo assim, a média de idades (55 anos) das mães actualmente na Aldeia, alerta à SÁBADO a assistente social Martinha Sérgio, é preocupante. "Como é que vai ser daqui a 10 anos? Precisamos de mais mães SOS."

* Um belo trabalho de Adalcinda, não lhe faltará família.

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