30/10/2016

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ESTA SEMANA NA   
"VISÃO"

Os segredos da Opus Dei: 
Chicotadas e cilício para 
sofrer como Cristo

Na obra Opus Dei, Eles estão no meio de nós, o jornalista Rui Pedro Antunes recorre a "relatos impressionantes de quem conseguiu sair" para desvendar alguns mistérios d'A Obra 
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É com o mote "se não o podemos vencer, vamos, pelo menos, torná-lo mais visível" que Rui Pedro Antunes revela, em Opus Dei, Eles estão no meio de nós, da editora Matéria Prima, alguns mistérios da organização religiosa, desde as listas de filmes e livros proibidos – nomeadamente, de José Saramago e Eça de Queiroz –, os castigos, os locais onde vivem, e o poder de influência que têm na banca, na política e no ensino.

O autor, jornalista do Observador, passou antes pelo Diário de Notícias, onde fez parte do grupo fundador da equipa de Grande Investigação. Já publicou vários livros sobre sociedades secretas, entre eles, Os Planos de Bilberberg para Portugal e O Poder da Maçonaria em Portugal.
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Excerto do livro Opus Dei, Eles estão no meio de nós de Rui Pedro Antunes

“Bendita seja a dor. Bendita seja a dor, santificada seja a dor...
Glorificada seja a dor!”
Caminho: 208

No início, era a dor. João levantou-se, carregado de culpa, e depois de ter relações sexuais com a namorada, pegou nos seis bagos de milho que trazia num estojo de camurça. Colocou-os em forma de triângulo e ajoelhou-se sobre eles a rezar qualquer coisa parecida com uma ave-maria. A mortificação corporal tem várias formas –algumas mais ou menos violentas.

Ajoelhar-se sobre o milho não é a prática mais comum. E muito menos depois do sexo, até porque os numerários, as numerárias e os agregados são, obrigatoriamente, celibatários. Relações sexuais, nem pensar. Na obra, o sofrimento e as penitências são incentivados de forma a que os seus membros sofram como Jesus sofreu, sendo o ato entendido como uma dádiva a Deus.

Como é normal no Opus Dei, embora haja liberdade no tipo de mortificação que cada um aplica, há duas formas mais institucionalizadas, e também mais habituais, de os membros se autopenintenciarem: o uso de cilício e a chamada disciplina (chicotadas). Tudo autoflagelação, até porque como está bem explícito em Caminho, a “Bíblia” do Opus Dei:
“Nenhum ideal se torna realidade sem sacrifício.
– Nega-te a ti mesmo.
– É tão belo ser vítima!”

Sofrer para ser herói
“Serviam”. Após saltarem da cama com um piparote, sem ponta de moleza (“não sejas mole”, aconselhou Escrivá), é em latim – língua morta, mas a favorita da obra – que é dita a primeira palavra do dia dos numerários. Em português e em linguagem do Opus Dei significa: “Servirei!”

Na obra, chama-se a este ato “minuto heroico”, muitas vezes acompanhado por um beijo numa moldura, quando há na mesa de cabeceira uma foto do fundador Josemaría Escrivá de Balaguer.
Segue-se pelo menos meia-hora de reza ainda antes do pequeno-almoço, sendo a Consagração a Nossa Senhora uma oração tipicamente matinal, que começa precisamente com um: “Ó senhora minha, ó minha mãe, eu me ofereço todo a vós, e em prova da minha devoção para convosco vos consagro neste dia os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração...”

E se o pequeno-almoço também pode ter pequenas mortificações - como beber café sem açúcar ou comer pão sem manteiga –, antes disso ainda pode haver uma outra aproximação a Deus: o “duche frio”. “Somos incentivados a tomar o duche de água fria, mesmo que seja no inverno mais rigoroso”, conta um dos antigos membros.

Mas a prática (diária) mais violenta é mesmo o uso de cilício na coxa durante duas horas. “Torna-se tão habitual, que ao fim de uns tempos já nem dói, já nem pensamos, é quase tão normal como lavar os dentes”, diz o mesmo numerário. O cilício é uma corrente de metal, uma espécie de arame farpado soft, que se crava na pele e que tem como objetivo criar desconforto. Quando retirado o arame desconcertado, o sangue encarrega-se de tatuar a perna. A organização defende-se, dizendo que não é suposto fazer sangue, mas há relatos de que Escrivá de Balaguer se orgulhava de deixar as sanitas ensanguentadas sempre que se sentava nelas. Por norma (e é uma regra escrita), o cilício deve ser utilizado todos os dias, exceto ao domingo.

Mas há outros rituais igualmente violentos. Um deles é a “disciplina”, que deve ser aplicada uma vez por semana, e consiste em os membros massacrarem as nádegas com um pequeno chicote de cordas com nós cegos nas pontas. A organização deita água na fervura. O responsável pelo gabinete de comunicação do Opus Dei em Portugal, Pedro Gil, desvaloriza as penitências dizendo que “não são obrigatórias e nada têm a ver com as chicotadas relatadas no livro e no filme de Dan Brown”. Não desmente, no entanto, a existência destes rituais, embora garanta que “os membros certamente se riem quando ouvem essas descrições [de que existe muita dor e provoca sangue]”.

Um contabilista do Porto, João Pinto - que apitou (termo utilizado para definir o dia em que se aderiu ao Opus Dei) com 22 anos e foi agregado do Opus entre 1976 e 1992 –, aceitou dar a cara para dizer que praticava a mortificação corporal, que diz não ser “uma coisa do outro mundo”. Admite, no entanto, que as práticas eram incentivadas.

Um outro ex-membro, que não se quis identificar, explicou que saiu do Opus Dei por perceber que “o que era praticado dia a dia chocava com os direitos fundamentais da pessoa humana”.

No entanto, o antigo numerário considera que “quaisquer chicotadas ou cilícios não eram nada comparados com a violência psicológica a que os membros são sujeitos”.

E conclui: “Sentíamos que éramos um zero à esquerda com todas as obrigações que tínhamos e com a liberdade que não tínhamos». O mesmo ex-membro utiliza uma metáfora para explicar como são tratados os membros numerários nos centros: “São como os alimentos no supermercado que são colocados em câmaras com pouco oxigénio para se aguentarem mais.”

Paulo Andrade foi numerário dos 15 aos 33 anos, tendo abandonado a obra em 1993. Desde 2004 tem sido o seu principal crítico, pelo menos dos que não se escondem no anonimato. Diz que não tem mais a acrescentar ao que disse nos últimos anos. Em dezembro de 2007, confessou à revista Sábado como o clima era verdadeiramente controlador e sexista: “Toda a gente vigia toda a gente. Parti uma perna a jogar futebol e era a minha irmã que me levava à fisioterapia. Fizeram-me uma correção fraterna, porque não era bom um numerário entrar num carro com uma mulher.”

Os chicotes e os cilícios podem ser pedidos aos membros da obra ou comprados, por exemplo, no Convento de Santa Teresa, em Coimbra. A irmã Lúcia praticava este tipo de mortificações, que continuam a ser incentivadas entre as carmelitas coimbrãs. Há membros da obra que ali se dirigem para comprar estes instrumentos de dor que podem também ser adquiridos na internet e custam entre 31 e 101 euros.

A mortificação corporal não se fica, no entanto, pelo cilício e a disciplina. Há pequenas mortificações praticadas no dia a dia, como, por exemplo, beber o café sem açúcar, não comer entre as refeições ou não pôr manteiga no pão.

O próprio fundador tem vários escritos a incentivar aquilo que chama pôr “uma cruz em cada prato” e o próprio – quando era vivo – tentava espaçar o tempo em que bebia água ao longo do dia (para sentir sede) e às refeições servia-se mais do alimento de que menos gostava e menos do que mais gostava.

No Caminho que quis impor aos membros, tem naturalmente várias máximas dedicadas à mortificação; numa sobre o pequeno-almoço, dá mesmo o exemplo da manteiga:

O juiz conselheiro jubilado, Messias Bento, atual membro supranumerário, defende que a mortificação corporal “é um ato voluntário que cada um quer oferecer a Deus” e considera que “ninguém se devia impressionar com este tipo de práticas”. Embora pareçam atos medievais, o antigo juiz tenta até justificá-las com práticas da sociedade moderna: “Se ninguém se impressiona que se façam dietas e sacrifícios para que se fique elegante, porque se hão-de impressionar que se façam coisas similares como ofertas a Deus?”

Messias Bento dá ainda outros exemplos de mortificação que os membros podem oferecer a Deus: “Para um fumador, pode ser não fumar durante a manhã ou não beber vinho a uma das refeições”. O antigo juiz ressalva ainda que “as mortificações não são feitas por puro masoquismo, são uma oferta a Deus”.

Estas práticas de mortificação estão longe de ser consensuais na Igreja Católica e – mesmo no Opus Dei – nem todos as defendem. O antigo presidente da Assembleia da República João Bosco Mota Amaral confessa que, embora as compreenda, não é adepto deste tipo de práticas: “Sou mais pela alegria. Pela manhã do domingo de Páscoa.”

* O malabarismo do martírio, alguém  compra???

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