08/09/2016

MANUELA ARCANJO

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Elevada qualificação 
e baixo salário

Os actores políticos - governos e oposição - referem frequentemente que Portugal nunca teve uma geração tão qualificada, isto é, com formação superior (licenciatura, mestrado e doutoramento). Assim é, de facto. 

De acordo com a informação disponível, Portugal registou entre 2008-2015, e no quadro da UE19, o maior aumento da população empregada com formação académica: de 15% para 25% da população empregada, respectivamente. É certo que ainda estamos longe da maioria dos nossos parceiros (em 2015, a Espanha e a França registavam valores na ordem dos 41% e 39%), mas este ganho de qualificação tornava-se imperioso num país que entrou no regime democrático com uma elevada taxa de analfabetismo e um mercado de trabalho caracterizado pelas muito reduzidas (ou inexistentes) qualificações, que sempre justificaram os salários de miséria.

Mas impõe-se uma pergunta: como é que o país aproveitou as gerações mais qualificadas? Fruto do período de ajustamento financeiro e das políticas públicas prosseguidas, todos temos bem presente o fortíssimo fluxo migratório e a elevada percentagem de desemprego jovem. Mas outros indicadores podem ser usados para caracterizar, de forma muito sintética, o nosso mercado de trabalho.

Consideremos, em primeiro lugar, a proporção de trabalhadores por conta de outrem auferindo o salário mínimo nacional (apenas para o Continente): passámos de 7,4% em 2008 para 22% em 2015. Esta evolução não pode deixar de traduzir um fenómeno de forte intensidade na economia portuguesa: a contratação de trabalhadores qualificados com uma remuneração que, na sua essência, visava defender uma potencial exploração dos trabalhadores não qualificados.

Em segundo lugar, consideremos a evolução da remuneração base média entre 2008 e 2014 (último ano disponível): de 843,2 euros em 2008 para 909,5 euros em 2014. Donde, um aumento de apenas 7,8%. Sendo inteiramente defensável, em nome da justiça social e da defesa de direitos, a actualização efectuada nos últimos anos do salário mínimo, não deixa de ser pertinente registar um efeito de achamento das remunerações.

Por último, consideremos a proporção dos trabalhadores por conta de outrem com contrato temporário: em 2015, Portugal registou o valor mais elevado (22%) da EU19, com excepção de Espanha.

Nenhum destes indicadores constitui uma novidade: somos mais qualificados mas a fraca criação de emprego que se tem registado traduz-se num recurso indevido ao pagamento do salário mínimo numa situação de precariedade. Para esta situação têm contribuído quer o Estado quer o sector privado. No primeiro temos tido o exemplo dos hospitais públicos com estatuto de empresas públicas que à contratação de médicos e enfermeiros preferiram o recurso a tarefeiros mal remunerados e temporários. Opção que tem sido seguida no sector privado: basta consultar a oferta de empregos no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) ou das muitas agências de emprego temporário.

Se as opções anteriores são legítimas, embora criticáveis, o mesmo não se pode afirmar da fraude recentemente noticiada nos programas Estágio-Emprego, fortemente comparticipados pelo IEFP. Aqui coloco duas questões: o IEFP tinha recebido, ou não, denúncias desde 2014? Quando será possível constituir uma lista negra de empresas que cometendo ilícitos com financiamento público sejam impedidas de usufruir posteriormente de benefícios fiscais e parafiscais?
 
* Professora universitária (ISEG) e investigadora. Economista.

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
05/09/16

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