12/05/2015

VASCO PULIDO VALENTE

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Um diletante

A política sempre foi um subgénero do teatro e de literatura. O orador típico, como por exemplo Churchill, escrevia primeiro os seus discursos, que depois decorava e só a seguir “dizia” na Câmara dos Comuns. Mesmo quando se tratava de um “à parte”, a ocasião e as palavras não eram deixadas à inspiração do momento; eram ensaiadas, pensadas, muitas vezes combinadas.

No século XIX e no princípio do século XX, o orador também precisava de qualidades físicas particulares; devia ter “presença” (ser alto ajudava), uma voz versátil e uma dicção impecável; e os gestos deviam acentuar a “mensagem” sem exagero, nem preciosismo, mas com elegância e variedade. Um pouco de erudição ajudava, desde que viesse a propósito e não servisse apenas de ornamento gratuito.

Não admira que, a partir de 1850 (com a excepção de Herculano), um escritor se tornasse conhecido e estimado, menos pelos seus livros do que pela sua oratória. Para os contemporâneos, Garrett valia muito mais pelo “discurso do porto de Pireu” do que pela poesia e pelos romances. No Verão, oradores célebres corriam as “praias de banho” para exibir à noite no casino da terra as suas proezas. Muitos velhos diziam que a grande experiência estética da sua vida fora ouvir José Estêvão no parlamento, mas que ler o que tinham ouvido os não comovia. Os sucessores — Mendes Leal e Rebelo da Silva nunca chegaram aos píncaros do mestre, apesar de um esforço regular e de um treino intenso. E, durante a República, ninguém se chegou a distinguir, nem o berrador de comício e “ídolo do povo”, António José de Almeida.

Hoje a política é um espectáculo permanente. Com a omnipresença da televisão, cada frase, cada movimento precisa de ser pesado e calculado com antecedência e minúcia. Um elogio entusiástico à pessoa errada, uma em S. Bento, revelações despropositadas numa pretensa biografia podem arruinar e frequentemente arruínam a propaganda de meses. Como sucede então que o primeiro-ministro Passos Coelho, com a sua já célebre teimosia, persista em não se preparar para essa parte essencial do seu trabalho? Assessores não lhe faltam, nem lhe faltam meios. Porquê a reincidência num amadorismo destrutivo e patético? Na declaração improvisada, repetitiva e vácua? No comentário néscio? Numa biografia (Santo Deus!) que envergonha as pedras? Não leu, ninguém lha mostrou? Não faria mal a Passos Coelho levar a sua profissão a sério.

IN "PÚBLICO"
10/05/15


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