A experiência única
de ir ao Coachella.
Mas sem selfie stick
Nenhum Rock in Park, Beatpatrol ou NOS Alive pode preparar para o que é a experiência do Coachella, o mais importante festival de música - e arte - dos Estados Unidos.
É uma daquelas coisas que consta
na lista de bolso de qualquer músico e fã de música. A reputação é
merecida, porque o Coachella tem realmente um ambiente diferente,
forjado pela geografia, preço e origem. A arte abunda, as mil cores
encantam e encontra-se oficialmente a zona de refeições mais limpa e
bonita do mundo dos festivais de música.
O Coachella é assim
porque acontece no deserto, em Indio, sul da Califórnia. Fica em
nenhures, portanto, não dá para apanhar o metro e dar lá um salto; é
preciso planear com tempo e com dinheiro. Faz um calor infernal em
Abril, o que explica a moda "sem t-shirt" nos homens e "calção-cinto"
nas mulheres. Está a duas horas de carro de Los Angeles, o que justifica
a aparição de tantas celebridades. Acontece num clube de polo, o que
explica que seja tão verde e arrumadinho. Surgiu de um concerto dos
Pearl Jam em 1993 e mantém essa vibração de rock, algo indie, apesar de o
ecletismo permitir que toquem AC/DC, Cédric Gervais e Drake a uns
metros uns dos outros. Cada bilhete custa qualquer coisa como 400 euros,
o que ajuda a explicar tudo o resto.
É um festival entre o
hipster e o hiper-moderno, cheio de celebridades, homens vestidos de
néon, miúdas giras com flores na cabeça e universitários musculados
apenas com a bandeira da fraternidade ao pescoço. Só se pode beber
álcool em certas zonas, o que evita o cruzamento com bêbedos
cambaleantes com uma mini na mão à procura da tenda electrónica. É
também o único festival com uma lagarta colorida gigante a passear pelo
recinto, uma instalação que no último dia se transforma em borboleta. E é
o sítio onde os festivaleiros tiram mais fotos a si próprios que aos
artistas e instalações de arte, porque de que é que serve ir ao
Coachella se não houver provas substanciais da presença?
"Desliguem
a m**da dos telemóveis", gritou Jack White, o irreverente cabeça de
cartaz de Sábado, no início do seu concerto. Já tínhamos recebido essa
informação na sala de imprensa -absolutamente nenhuma fotografia do
ex-White Stripes. No dia seguinte, último da primeira parte do festival,
St.Vincent fez o mesmo, menos o palavrão, pedindo aos festivaleiros que
não cedessem à tentação de passar o concerto todo a tirar fotos.
A
ideia é viver mais e fotografar menos, mas será mesmo esse o problema?
Percorri largos quilómetros no recinto, onde couberam 92 mil pessoas por
dia neste fim-de-semana, e vi mais processos de tiragem de selfie que
qualquer praia portuguesa em Julho. O Instagram e o Twitter rebentaram
com fotos e updates do festival, claro, porque é isso que se faz quando
se vai ao Coachella. Mas não me pareceu que a obsessão digital alienasse
os festivaleiros. Sim, em qualquer direcção era possível ver jovens
adultos a bater nos ecrãs tácteis, a carregarem fotos e a falarem em
chats do Facebook (desculpem, pessoas, mas o preço a pagar por usarem
ecrãs gigantes é que qualquer um vê o que estão a fazer).
No
entanto, faziam-no de forma integrada com a vivência física do festival.
Esta geração sabe como cruzar a sua dependência tecnológica com as
experiências do mundo real. Este fenómeno de que se fala de as redes
sociais nos estarem a isolar é absolutamente discutível, pensei, ainda
que exista um problema quando a reacção dos outros às "selfies" se torna
mais importante que as ligações reais com pessoas próximas.
Dito
isto, achei maravilhoso que a organização do festival tenha proibido os
"selfie sticks", porque já basta a mania dos chapéus elaborados a tapar a
vista ao pessoal nos concertos. Só que quando cheguei a casa e fui
sincronizar o telemóvel, descobri que tinha tirado muito menos
fotografias do que pensava."Selfies", praticamente, nem vê-las, mas
sempre tenho algumas fotos para provar que estive lá.
IN "DINHEIRO VIVO"
14/04/15
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