06/10/2014

DANIEL OLIVEIRA

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Tecnoforma e 
o copo meio cheio

Todos sabemos do que estamos a falar quando falamos da Tecnoforma. De tal forma é claro que a empresa moribunda ameaça com processos contra quem disser o evidente. E o evidente que, nos belos e saudosos anos 90, havia dinheiro em barda. Dinheiro europeu, bem fresco, para estourar em "formação". 

Quem não teve um amigo que fez mais do que um curso de informática da CEE? Apesar de tanta gente se fazer desentendida, não estamos propriamente a falar de uma ciência oculta. E era isso que a Tecnoforma fazia, como empresa de referência no setor. E para chegar ao pote era preciso pessoas que conhecessem outras pessoas que tomavam decisões vantajosas. Ou era isso que Passos Coelho fazia ou é um especialista espontâneo na área da formação e um benemérito que trabalha à borla. É escolher.


Tenho lido e ouvido várias pessoas espantadas com o facto de Passos, como Socrates, Cavaco e tantos outros, não darem a sensação de não se terem preparado toda a vida para a possibilidade de serem governantes. Se estivessem a trabalhar para isso não tinham deixado tantas pontas soltas, sejam apenas sinais, suspeitas ou pecados reais. Enganam-se. Pensaram. Só que neste passado, quando muitos dos escândalos de que falamos agora aconteceram, estas pontas soltas não tinham qualquer importância. 

Teriam, em casos extremos, se chegassem à  primeira página de O Independente. Fora esse risco, tudo estava relativamente seguro. Primeiro, porque os cidadãos não davam a estes comportamentos muita importância. Havia dinheiro e a democracia, com a sua exigência, ainda era jovem. Depois, porque em geral eles não se sabiam. O jornalismo era um pouco mais temeroso.


Esta é uma das lições que estes casos nos oferecem e que são sistematicamente ignorada. Não é verdade que haja cada vez mais impunidade. É ao contrário. O que não nos chocava então choca-nos agora, o que não se sabia na altura sabe-se agora. Isso dá uma sensação de degradação da polí­tica quando, na realidade, essa sensação é o resultado de uma exigência democrática acrescida. Com muitos dos escândalos que vão surgindo, alguns já prescritos do ponto de vista judicial, estamos a ser vigilantes com retroativos. Apanhando com a boca na botija políticos que estão hoje preparados para este ambiente mas não o estavam há vinte anos.


Pode ser difícil de engolir, mas o nosso choque com o passado de alguns políticos deve ser também um choque com o nosso passado enquanto comunidade. E, perante isso, percebermos que, com todas as imperfeições, com todos os corruptores e corrompidos, com toda a impunidade e desfaçatez, já estivemos bem pior. Houve um tempo em que o que Passos Coelho fazia na Tecnoforma e o que a Tecnoforma fazia com os dinheiros europeus ou era ignorado ou encarado com naturalidade. Por Passos Coelho, claro. Mas também pela maioria dos cidadãos. Esse tempo não passou completamente. Mas já vamos sabendo um pouco mais e já nos vamos indignando. Como se vê no caso da comissão de inquérito ao negócio dos submarinos, falta que a maioria dos deputados se adapte a este tempo. 

IN "EXPRESSO"
03/10/14

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