18/07/2014

PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS

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Os novos intérpretes do "reviralho"...

"Eutanásia" foi o substantivo que Bagão Félix escolheu - na entrevista do "Jornal das 9" com Ana Lourenço, esta quarta-feira, na SIC Notícias - para adjetivar a lei de fevereiro de 2014 que proibiu os reformados e pensionistas de exercer funções ou prestar serviços ao Estado e instituições públicas, com ou sem remuneração. 
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A lei anterior, do tempo do Governo de José Sócrates, excluía, apenas, as funções ou serviços "remunerados". A partir de fevereiro, porém, na perspetiva da nova lei, reformados e pensionistas devem aguardar sossegadamente que a morte os leve, para alívio das contas do Estado.

Na verdade, "este país não é para velhos", como diz o título do filme que valeu quatro Oscars aos irmãos Cohen, em 2008. Este país que reduz os velhos à condição de párias, desprezando a sua experiência e disponibilidade, é o mesmo que assiste indiferente à escalada do desemprego juvenil e recomenda aos mais novos que emigrem para colocar ao serviço dos "países amigos" as qualificações que a democracia arduamente lhes proporcionou ao longo das últimas décadas. 

O mesmo país - a mesma maioria, o mesmo governo, o mesmo presidente! - que negligencia as crianças que desfalecem de fome no sistema nacional de ensino em prejuízo da sustentabilidade do sistema nacional de saúde. São os mesmos, como reparava Bagão Félix, que aceitam com indulgência que um "cavaleiro da alta finança" se "esqueça" de comunicar ao Fisco os milhões que recebeu, mas cortam sumariamente os minguados subsídios de reinserção ou desemprego ao primeiro indício da mais inócua irregularidade. E perante o alastrar da miséria que eles mesmos provocaram, ainda são capazes de se gabar do aumento das "despesas sociais" e até se atrevem a pagar estudos para combater a quebra da natalidade, em flagrante demonstração do mais cínico "malthusianismo".

O "reviralho" tem uma longa tradição em Portugal, tão antiga quanto a Revolução Liberal de 1820 que apenas a custo de uma prolongada guerra civil logrou impor o regime constitucional. Na "Patuleia" e na revolta da "Maria da Fonte", agitadores com diversas filiações conluiaram-se para impedir a introdução do "registo civil", incitando à destruição das chamadas "papeletas da roubalheira". Apesar das suas raízes nacionais, o novo "reviralho" - que conta entre os atuais governantes, com os seus mais genuínos intérpretes - é um fenómeno global. O "reviralho", nos Estados Unidos da América, promove o boicote do sistema de saúde ou da reforma das leis de imigração e, por mais do que uma vez, paralisou a administração e quase levou o país à bancarrota impedindo no Congresso a atualização dos limites do défice... à semelhança da manobra bem-sucedida que "chumbou" o deplorado PEC IV, no Parlamento português que, precipitando a demissão do Governo em 2011, abriu caminho à conquista do poder.

Por isso, não é exato classificar os novos intérpretes do "reviralho" como conservadores nem como liberais, embora partilhem com os primeiros a aversão à modernidade, e com os segundos a crença nas virtudes da "desregulamentação" económica e financeira. Mas terminam aqui as analogias.

 O "reviralho" quer mesmo mudanças, prometendo uma nova ordem emergente do caos que pretendem espalhar. E os seus valores, ao contrário do que apregoam, nada têm a ver com as liberdades que traçaram o programa das revoluções liberais: foram os direitos de livre expressão, de consciência e de religião, a proteção da vida, da propriedade e da liberdade contratual que acabaram com o poder arbitrário dos monarcas absolutos e desfizeram os vínculos de servidão herdados do regime feudal. 

O "reviralho" não tem um programa. Promove populismos vários e alimenta-se de receios difusos e expectativas defraudadas. É um produto efémero das democracias submissas aos poderes informais do capitalismo globalizado. Mas se não for energicamente combatido, rapidamente evoluirá para fórmulas bem mais perversas!

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
18/07/14


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