31/03/2014

INÊS TEOTÓNIO PEREIRA

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A cigarra, 
a formiga 
e a matemática

Eu, tal como a formiga, prefiro ter todo o trabalho agora, do que deixar o meu futuro nas mãos da segurança social
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Partindo do princípio realista de que são os meus filhos que me vão sustentar na velhice e não a Segurança Social, penso muitas vezes naquilo que eles vão ser quando forem grandes. O facto de ter seis filhos também tem a ver com isso, confesso. Seis filhos, ao contrário do que as pessoas pensam não é uma opção totalmente altruísta, corajosa, etc.

Estão a ver a história da formiguinha e da cigarra? Ora, a formiguinha sou eu; a cigarra são todos aqueles que já foram à neve este ano, que gastam o subsídio de férias nas férias e não em material escolar, que têm a casa sempre arrumada, que dormem a noite toda sem interrupções de choros de bebé, que quando entram num centro comercial para comprar uns sapatos saem de lá com uns sapatos novos e não com roupa nova para as crianças e que guiam carros de cinco lugares e não camionetas de mudança.

Eu, tal como a formiga, prefiro ter todo o trabalho agora, do que deixar o meu futuro nas mãos da Segurança Social. Não é que eu confie plenamente nos meus filhos, mas eles, ao contrário da Segurança Social, ainda não estão falidos.

No entanto, eu não sei como será o futuro dos meus meninos. Não sei eu, não sabem as escolas, não sabem os economistas nem sabem os visionários. Ninguém sabe, porque ninguém sabe como Portugal ou mundo vão estar daqui a cinco anos, quanto mais daqui a 15 ou 20. Ninguém sabe se no futuro vão ser precisos canalizadores, engenheiros, artistas plásticos, gestores, cozinheiros, advogados ou auxiliares de medicina dentária. Os meus filhos não se preocupam com assunto: quase todos querem ser futebolistas, um deles quer ser treinador de futebol e a única rapariga ambiciona ser mãe. Temo, portanto, o pior. Temo que a minha reforma não esteja assegurada convenientemente visto que nenhum deles se revelou uma jovem promessa do futebol português.

No entanto, sei que ainda vou a tempo de os impedir de aderirem ao clube de futebol as Andorinhas. Como? Com a matemática. Eu estou absolutamente convicta de que quem se safa neste mundo percebe matemática e que a grande parte das pessoas que foram para áreas disciplinares que não incluem matemática foram apenas para fugir à matemática. Todos os outros, ambicionam ser cantores, actores ou futebolistas.

E qual a importância da matemática na minha análise empírica? Segundo eu, quem percebe de matemática pode ser também especialista em história, mas um advogado ou um historiador será sempre uma nulidade nas derivadas. É injusto, mas é mesmo assim.

Nenhum dos meus filhos teve ainda de escolher áreas disciplinares, por isso, estão irremediavelmente presos à matemática, com grande responsabilidade dos seus progenitores que saltam da cadeira quando a nota a matemática é boa e ficam sentados quando a nota a outra disciplina qualquer é boa. Só que cheguei agora a um impasse: eu não percebo nada de funções e os meus filhos estão a dar funções. Ou seja, a partir de agora a matemática fugiu ao meu controlo e depende deles entenderem-se com ela. Não há nada que eu possa fazer para os convencer a gostarem um do outro.

Ao contrário do que dizem não são as hormonas as principais responsáveis pelo corte do cordão umbilical, mas sim as funções. No dia em que os nossos filhos começam a perceber matemática mais do que os pais (ou apenas mais do que um deles), emanciparam-se. Esse dia chegou para dois dos meus filhos. A minha sorte é que tenho seis. Lá está: eu armazeno filhos, tal como a formiga armazenou comida para passar o Inverno. Daqui a 30 anos logo digo se resultou ou não.

IN "i"
29/03/14


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