16/07/2013

SANDRA CARDOSO

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A revolta 
das maçãs

 A questão assumiu, no meu agregado familiar, uma dimensão gigantesca. Debatemo-nos há semanas com um problema de maçãs. E não, não há aqui metáfora alguma, nem analogia com a realidade política, como noutros tempos em que Portugal aparecia na capa de uma revista internacional representado por um fruto proibido, perfeito por fora e podre por dentro. Hoje não há ilusões. Seríamos uma maçã carcomida, engelhada e arrasada pelas lagartas.

Mas voltemos ao foco. Tudo começou numa vulgar ida a uma superfície comercial, para abastecer de frutas e legumes. E na hora de comprar maçãs – o básico fruto que tem sempre lugar nos preferidos cá de casa – reparamos na origem: Nova Zelândia. Começámos por ficar com uma certa inveja do viajado fruto e passámos logo a examinar as origens das reluzentes maçãs empilhadas ao lado, na esperança de encontrar qualquer coisa como Alcobaça. Polónia, Colômbia, Brasil e outros tantos países inesperados e de Portugal nada. Estranhámos e não tendo ali um Borda D' Água (nem um Gaspar de serviço) pensámos que o melhor era ir à procura de fruta da época. Mas os pêssegos também vinham da América do Sul. As cerejas eram de Espanha e só escapou o melão.

Pensámos que teria sido uma infeliz coincidência, mas dessa vez não vieram as maçãs. Trocámos de estabelecimento, fomos a uma grande superfície. O mesmo problema e continuámos orgulhosos de costas voltadas para a maçã estrangeira. Salvou-nos a banana da Madeira, que nem sempre há. E apenas três semanas depois é que a maçã voltou cá a casa, depois de ter dado uma grande golpada, a sonsa: Tinha rótulo de Moimenta da Beira, mas vinha de Itália. Desde então encetámos uma cruzada em busca da maçã portuguesa, sem sucesso é certo. Mas o pior é que esta coisa de olhar para as origens está a tomar proporções inimagináveis, e já dei por mim a declinar alho da China. E a lembrar as palavras sábias do meu pai que me dizia que eu iria recordar-me das idas à horta para colher os legumes frescos para fazer a sopa. Na altura achava uma maçada sujar as mãos a tirar uma cenoura da terra. Pai, se me estás a ler, esse dia chegou.

Não se trata de nenhum nacionalismo provinciano, juro. Mas dei por mim a pensar nos apelos ao regresso à terra. Em palavras gastas como o empreendedorismo, que cai  quando se pensa que não há oportunidade para estas pessoas escoarem as suas pequenas produções. Que fica mais barato trazer maçãs da Nova Zelândia, que comprá-las ou incentivar a sua produção aqui. E que cada vez que  opto por comprar ao pequeno agricultor na beira da estrada, estamos ambos a pisar a linha da legalidade.

E no meio disto tudo, cá em casa, a maçã é  -tal como na bíblia  -fruto proibido. Já há reclamações do mais novo e em mim cresce o medo que esta revolta que começou com as maçãs dê origem a uma coisa maior. É que até para o peixe já olho de lado.

Vive-se uma verdadeira Primavera da fruta e legumes cá em casa.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
11/07/13

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