17/07/2013

MIGUEL GASPAR

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O estado da nação 
não vai para sólido

O debate sobre o estado da nação foi incapaz de responder à pergunta essencial. Afinal, em que estado a crise da maioria e o acordo exigido pelo Presidente deixaram a nação? No estado gasoso, no estado líquido ou no estado sólido?
Estando nós perante uma solução proposta pelo Presidente, é provável que no estado líquido. Mas dado o clima de irrealidade que rodeou o debate no Parlamento, o mais certo é que a caminho do estado gasoso. A nação parece caminhar para a evaporação. E a passos largos.
A única coisa que interessava neste estado da nação era saber como é que os partidos se iam posicionar perante as exigências do Presidente que ainda ninguém digeriu lá muito bem. A sublinhá-lo, o facto de o actor principal do debate ter estado ausente.

Um espectador de televisão, instalado algures em Belém, decidiu emitir um comunicado durante o debate exigindo que os partidos cheguem a acordo num “prazo muito curto”. Algo nunca visto. Mais próprio de um país gasoso do que de um país ancorado em instituições sólidas.
PSD, CDS e PS têm de fazer de conta que são a favor do entendimento, para não ficar mal na fotografia. A maioria PSD-CDS decidiu reagir à exigência de um acordo tripartido do Presidente da República realizando uma OPA hostil à proposta de Belém e passou a considerar a proposta de acordo como sua.

Um flick flack político que mostra como em Portugal os consensos estão sobrevalorizados.
Se o Presidente quer um compromisso, logo a maioria quer um compromisso. Mas passámos a ter dois compromissos em vez de um. E como PS também quer o seu, menos de 48 horas após o discurso do Presidente, passámos a ter não um, mas três compromissos. Ou seja, nenhum.
O excesso de zelo não compensa.

Pela voz do primeiro-ministro, o debate do estado da nação começou com a declaração de que o Governo está vivo e recomenda-se. Um optimista este primeiro-ministro. E acrescentou que o acordo a três proposto pelo Presidente é muito cá de casa, pois que a maioria sempre o quis. É como se fosse a mesma coisa.
Passos inventou mesmo a “estabilidade activa”, em resposta ao Presidente que foi reeleito afirmando querer levar por diante uma “magistratura activa”. Como se tem visto, aliás, para desgosto da maioria que o elegeu há dois anos.

Naturalmente, o chefe do Governo optou por não mencionar a exigência de eleições antecipadas ou a recusa de Belém em aceitar a remodelação que propôs. Razão pela qual o primeiro-ministro se sentou em São Bento à frente de um governo que não é o que quer e com o qual não vai poder governar o tempo que pretendia. Minudências.

No clima de irrealidade política em que nos encontramos, não é nada que choque por aí e além.
Veja-se o discurso de Paulo Portas. Um vigoroso apelo ao consenso, em nome da pátria, do protectorado, de Sá Carneiro. Terei ouvido a palavra "irrevogável"? Ficámos a saber de que pasta queria ser ministro? Ouvimos uma explicação sobre a crise que ele em boa parte desencadeou? Dizer que está disposto a pagar "um preço de reputação" é muito pouco.

Aplica-se a este como a outros casos o princípio do esquecimento activo. O que foi dito antes esfuma-se na memória. Sintoma do estado líquido: o país está sob o signo de Letes, o rio do esquecimento da mitologia clássica. Portas esqueceu-se da sua demissão, Passos das eleições antecipadas e os dois da remodelação rejeitada.

Cavaco propôs um acordo de regime deslegitimando o Governo que está em funções e pedindo aos partidos que marquem eleições, em vez de ser o Presidente a dissolver a AR. Começou a pagar as contradições da sua proposta ao segundo dia.
Passos disse claramente que os termos do acordo proposto por Cavaco (bastante claros) devem ser “trocados por miúdos”, algo que já tínhamos ouvido ao CDS. Avançou que queria introduzir os seus termos de referência para um entendimento. Seguro lembrou-lhe que era o Presidente e não o PSD quem definia os termos do diálogo. E convidou o primeiro-ministro a sair, no que foi acompanhado pelos partidos à sua esquerda.
O PS, de resto, voltou a não insistir na data de 29 de Setembro para realizar eleições antecipadas. Cada um retira o que quer da proposta de Belém. Foi o contributo dos socialistas para o esquecimento colectivo.

Se Passos e Seguro não se entendem sequer sobre o que deve ser negociado agora com a troika, como podem chegar a um acordo a médio prazo? Podem dizer que estão de acordo quanto à necessidade de um compromisso, mas não quanto ao teor do compromisso. Até ver, não vale nada.
Ninguém está de acordo quanto ao acordo. Por enquanto, é como se estivesse em leilão. Mas ninguém quer pagar o preço que Belém está a exigir.

Como é que saímos desta, senhor Presidente?
É que o estado da nação não vai para sólido.

IN "PÚBLICO"
12/07/13

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