25/07/2013

MÁRIO DE CARVALHO




 Execração de Paulo Portas  

 Vamos lá gastar alguma cera com esta criatura. Mais uma concessão ao efémero. 

Começo por estranhar a benevolência relativa com que ela tem sido tratada. Como se um instinto nato de harmonia obrigasse a atenuar a flagrância do mau gosto. Um querido amigo meu, a certo desabafo, sugeriu que o meu desprezo era «emocional». Havia aqui uma sugestão de parcialidade política. Devo defender-me disso. Na verdade, até aprecio e respeito algumas pessoas que se dizem amigas do doutor Portas. E verifico que ele tem esta particularidade estranhíssima: todos os seus amigos são melhores que ele. 

Recordo os tempos muito catitinhas de «O Independente», cheios de peripécias e partes gagas. Costuma evocar-se - e com razão - o rasgo inovador e dinâmico do jornal. Pouca referência se faz - e sem razão - ao lastro de frioleira e alarvidade que lhe pesava como chumbo. Portas esteve por então envolvido numa campanhazinha muito marota e fraldiqueira contra a «meia branca». 
Estas coisinhas davam-lhe muito prazer. Em dada altura dedicou-se à política (em revogação do desdém pedante antes manifestado) e é hoje -com Jardim e Cavaco- um dos políticos de mais longo exercício. Ainda tenho nos ouvidos os gritinhos de «ó Margarida», «ó Margarida!» com que ele pontuou uma entrevista qualquer, dada a uma jornalista que viria a ter um fim infeliz. 

Toda a sua vida pública (e provavelmente a outra) é feita em permanente pose. Tem atitudes; Olhares longamente estudados; máscaras de sisudez de Estado; esgares trabalhadíssimos; soslaios de palco amador; sorrelfas; sorrisinhos desdenhosos; trejeitinhos manhosos; «boquinhas e olhinhos»; meneios de cabeça; artifícios retóricos como o de perguntar repetidamente «sabe que...?». Às vezes tenta o furor tribunício, mas a voz não lhe dá para tanto; experimenta a pose imperial, mas é pequenote mesmo para Napoleão. Ainda é um homem novo. Quando for mais velho lembrará uma deprimente figura de actor que aparece na «Roma» de Federico Fellini. 

Talvez a exposição pública da política exija um certo histrionismo. Mas então, que se seja bom actor. E não se deixe no ar esta grande vontade de pedir a devolução da entrada. 

Já o vi a exaltar a «lavoura» em vezos saudosistas (menos insinceros do que parece); já o vi a ajoelhar, numa capela, com os dois joelhos, numa compunção beata; já o vi a bramir, numa cena movimentada, contra «os ciganos do rendimento mínimo»: já o vi em festarolas de aldeia, ou em obscenas rondas de lares de idosos, ou a debitar banalidades de dentadura a rebrilhar. Já o vi a dizer (e a fazer) trinta por uma linha. 
E já o vi a disparatar abertamente, quando, evitando o russo «troika» (alguém o convenceu de que a atrelagem russa era uma palavra «soviética»...) optou por «triunvirato», solução histórica tradicionalmente catastrófica. Apesar de tudo, sempre é melhor que a ridícula revogação da decisão «irrevogável». Esperava-se que ocupasse a Administração Interna, depois de ter feito histérica algazarra (ora obnubilada...) sobre a segurança.
 Não. Foi para os Negócios Estrangeiros, para se descomprometer e fazer de conta (sempre o fingimento, o obsessivo, doentio, fingimento) que era alheio às mexerufadas da famulagem financeira. A seu tempo ressurgiria em atitude messiânica, como resgatador dos infelizes. Sempre o calculozinho. Contas furadas. Deixou uma nota de subserviência a manchar a diplomacia portuguesa com o caso Snowden. Em tempo de crise política interna, a situação foi minimizada, ninguém estava a espreitar. Mas as consequências para os interesses de Portugal (já não falo nos princípios) serão lastimáveis. Creio que Freitas do Amaral nunca se prestaria a esse papel. 

Paulo Portas não a desmentiu, neste ziguezague da sua carreira, que se espera abreviada. Ao longo de quase vinte anos, houve a universidade Moderna, as deslealdades para com dirigentes políticos afins, a fotocópia de toneladas de documentos da República Portuguesa, a questão dos submarinos. Por estes interstícios, o doutor Portas tem deslizado como enguia em sargaço. Com uma certa complacência, é preciso dizê-lo, da comunicação social. 
Agora aí o temos, repescado para o governo em circunstâncias equívocas. A existência deste homem tem sido, aliás, amalgamada de equívocos. Dir-se-ia que não é capaz de viver de outra maneira. Há nele uma vertiginosa atracção pelo Mal. Para usar a velha comparação americana da venda do automóvel usado, creio que se o doutor Portas tivesse um carro em bom estado para vender, não deixaria de o avariar, por puro fascínio do ludíbrio. E sobre a personagem, fiquemos por aqui. Seria fácil (demasiado fácil) usar uma fotografia ilustrativa das milhentas disponíveis na NET. Mas prefiro deixar-vos com o Narciso de Caravaggio que também vem a propósito. Para ser franco, preferia ter tido a oportunidade de dizer´algum bem’, em vez de execrar. MdC 




* Desconhecemos em que orgão de comunicação social foi publicado, obrigado TÓ CUNHA, pelo envio.


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