10/04/2013

JOSÉ MENDES

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As virtudes de um chumbo

O anúncio da decisão do Tribunal Constitucional (TC) de chumbar quatro artigos da lei do Orçamento do Estado para 2013 representou, em forma e conteúdo, um momento ímpar da história da nossa jovem democracia. De uma assentada, o TC lembrou ao país que a Constituição não está suspensa, colocou um travão na estratégia orçamental do Governo e escancarou as portas para um novo ciclo do resgate da República.
De certo modo, a sensação de que a Constituição poderia ser colocada entre parêntesis foi criada pelo próprio TC quando, em 2012, afirmou a inconstitucionalidade de algumas normas do OE, concedendo, contudo, a restrição dos efeitos dessa decisão. O Governo, pela mão de Vítor Gaspar, resolveu reincidir na receita, ignorando a pena suspensa a que estava vinculado. O facto de Cavaco Silva, apesar dos queixumes, não ter solicitado a apreciação preventiva da constitucionalidade do OE terá ainda reforçado a atmosfera de exceção. Não faltou mesmo a pressão sobre os juízes do TC, como o emblemático anúncio de que não haveria plano B para a eventualidade de um chumbo.
Aquilo que o Governo não percebeu foi que uma segunda decisão com restrição de efeitos significaria o esvaziamento do próprio TC e, no limite, o fim do Estado de direito. Este erro grosseiro de avaliação, desastroso para Passos e Gaspar, foi muito, mas mesmo muito, positivo para o país. A Lei Fundamental não está, afinal, suspensa!
Estima-se que o buraco aberto pela decisão do TC seja da ordem dos 1300 Meuro, algo como 0,8% do PIB. Importa desmistificar a grandeza do problema: equipara-se aos sucessivos erros das previsões macroeconómicas de Vítor Gaspar. É caso para perguntar: qual é o drama?
O drama existe sobretudo para o Governo, na medida em que este vê ruir a sua estratégia orçamental. Ficam vedadas algumas zonas de corte da despesa, o que significa que caducou o seu ferramental favorito para a construção de orçamentos. Não será mais possível continuar a equilibrar a folha de cálculo de Gaspar através da estratégia reincidente de cortar e taxar de forma assimétrica, com um fetiche especial pela penalização dos funcionários da administração pública e dos pensionistas que serviram o Estado.
Portugal, mercê de uma lamentável sucessão de pseudopolíticas de (insustentável) desenvolvimento, teve de submeter-se a um humilhante resgate. A ortodoxia que subjaz a um programa de assistência contaminado por uma visão de empobrecimento, materializada pela intensidade dos cortes e imobilização do investimento, foi sendo reforçada por uma interpretação fundamentalista do ministro das Finanças, o que resultou num rotundo falhanço das metas. Com a decisão do TC desta semana, o resgate da República terá necessariamente de entrar num novo ciclo, que se faz por três vias: a renegociação da dívida, o deslizamento das metas e o regresso à economia.
Dos parâmetros clássicos da renegociação da dívida - mais dinheiro, mais tempo, menos juros, perdão -, apenas excluo o último, mesmo que parcial. Portugal precisa de mostrar à Europa e a si próprio que é capaz de pagar o que deve, sob pena de permanecer afastado dos mercados por uma década.
A consequência da inexequibilidade do presente OE é o aumento do défice e da dívida, pelo que a Europa vai ter de conceder um novo deslizamento dos respectivos limites, algo que está a ser exigido também por outros países.
Aliviada a pressão da dívida, importa enfrentar o problema de fundo: o regresso à economia e à competitividade. Investimento, financiamento, exportações e consumo interno são as chaves para a geração de riqueza e emprego. Ironicamente, o TC deu uma aula de economia ao Governo, porque vai permitir a entrada de 1300 Meuro na economia, estimulando o consumo interno e gerando mais receita de IVA.
Dito isto, resta uma questão: o novo caminho faz-se com estes ou com novos atores? O tempo do Governo começa a esgotar-se. Manter Gaspar e Álvaro é a renovação de uma aposta demasiado arriscada. O cenário de eleições legislativas é ruinoso para o país, mas Passos Coelho deve perceber que a corda não aguenta novo esticão.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
07/04/13

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