O que devemos
aos reformados
A geração que nasceu na ditadura e na pobreza é agora vista como “privilegiada”
É provável que o Tribunal Constitucional decrete a
inconstitucionalidade da sobretaxa de 3,5% aos reformados, tratados por
este governo como cidadãos de segunda – provavelmente fazendo parte
desse contingente de “instalados” que trava a ascensão dos jovens de que
recentemente falava Miguel Relvas.
Se é impossível negar a existência
da inversão da pirâmide demográfica (e uma reforma da Segurança Social
deveria sempre discutir a existência de tectos máximos, rejeitando
reclamações patéticas do estilo do movimentos dos banqueiros reformados e
etc.), obrigar um pensionista com mais de 1350 euros mensais a pagar a
crise com uma sobretaxa é um atentado social e institui, de facto, uma
desigualdade geracional.
Tratar os reformados como cidadãos de segunda é
tentar fazer recair sobre uma geração que nasceu numa ditadura, que não
teve qualquer acesso ao Estado social até à idade adulta, que em alguns
casos viveu o racionamento da Segunda Guerra, penou na guerra colonial e
teve os seus direitos civis amputados até ao 25 de Abril de 1974, uma
“culpa” de se ter transformado, na meia- -idade, sabe Deus como, numa
geração de “privilegiados”.
Não dispondo de qualquer hipótese de criar emprego – é a própria
receita recessiva da troika e as políticas europeias que o impedem – o
governo entretém-se na propaganda infeliz de colocar as gerações umas
contra as outras, como se a situação fosse definível pela existência de
“culpados” e “vítimas”.
A utilização política do gap geracional é tanto
mais obscena quanto a geração dos reformados fez o que lhe foi possível
para entregar às novas gerações um país muito melhor do que aquele que
existia quando começou a trabalhar e a pagar impostos.
Se o Tribunal
Constitucional declarar impossível à luz da Constituição portuguesa a
divisão entre velhos e novos presta um bom serviço à coesão nacional.
Afinal, não foi a esmagadora maioria dos agora atingidos que criou
os regimes excepcionais de reformados de cargos públicos – que na sua
origem foram criados para evitar que um titular de cargo público
passasse à situação de desemprego quando o mandato expirasse, mas serviu
de pasto para um sistema insustentável moral e financeiramente.
A
participação maciça de pessoas mais velhas na manifestação “Que se lixe a
troika” é um sintoma expressivo de que o combate ao governo tem nos
reformados um dos seus principais suportes. Afinal, o governo também se
encarrega de os combater.
IN "i"
11/03/13
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