13/02/2013

LUÍS OSÓRIO

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Ricardo Salgado, 
Herberto Hélder 
e um taxista

Sentei-me e escrevi Daniel Sampaio, amigo que, tantas e tantas vezes, me justificou o que aos meus olhos parecia mais do que lógico: política, não.
Um mundo onde lhe seria difícil justificar aos outros que a sua razão, fundamental no exercício da profissão de ajudar vidas confusas ou perdidas, era à prova de bala. Não embarcou na barca dos partidos e seus intestinos. Porém, deixou a paixão pelo Sporting berrar-lhe ao ouvido e agora terá de beber o frasco de veneno até ao fim. Talvez num dia próximo lhe conte o que para ali vai.
Três pequenas histórias. E três personagens: um banqueiro, um poeta e um taxista. Não é um western spaghetti. Nem Sérgio Leone seria o realizador perfeito, mas gosto das três. Cada uma à sua maneira.
Primeiro, o banqueiro. Ricardo Salgado, figura maior da família Espírito Santo. As vezes que ouvi políticos e jornalistas jurarem-me que é ele quem manda, influencia, faz e desfaz, chegaria para escrever um pequeno livro de fábulas modernas. Infelizmente, não o conheço. Se metade do que dizem for verdadeiro, vale bem o preço do bilhete.
O presidente do BES é um líder, poucos o negam. Quando algum colaborador se destaca para além da normalidade, regra geral ao ultrapassar alguma prova de confiança, pode ambicionar que Ricardo lhe diga: ‘O senhor não trabalha para o banco, o senhor pertence à família’. A partir desse instante saberá que subiu um patamar – não se mudará para o Olimpo dos eleitos, mas deixará, decerto, de pertencer ao aquartelamento onde sobrevivem os gentios.
Depois, noutro patamar, há os que vivem em perigosas ilusões. Esses, habitantes de castelos de areia, correm o risco de um dia precisar de Daniel Sampaio. Como o de um consultor que, no BES, preparou há uns anos um qualquer relatório pedido pelo presidente. Trabalhou durante dias ou semanas, várias vezes foi chamado ao último andar, onde Ricardo o ouviu e fez recomendações. O homem parecia andar nas nuvens. Pairava por entre o pessoal, sentia-se especial. Até que, por fim, chegou o dia de entregar o relatório, quis o destino que fosse a um sábado ou domingo.
Como lhe fora pedido dirigiu-se a Cascais, casa do banqueiro. Abriu-se a porta, recebeu-o o mordomo. ‘O Dr. Ricardo Salgado está à minha espera’, informou. Dirigiu-o então para o átrio, só tinha esperar um bocadinho. Uns minutos depois, o criado pediu-lhe para deixar o relatório, o senhor doutor agradecia-lhe a gentileza.
Segundo, o poeta. Herberto Hélder, o poeta dos poetas entre os vivos. Mítico, genial e pai do meu amigo de juventude, o comentador e político Daniel Oliveira. Herberto não dá entrevistas, diz-se que a única foi para ‘safar’ Luiz Pacheco que precisava de dinheiro.
Quando comecei no jornalismo sonhei fazer o que ninguém conseguira. Pedi ajuda a Daniel, chamou-me louco. Simplesmente não era possível. Como desistir não era opção, tentei conhecê-lo. Sabia que frequentava uma tasca no Largo da Misericórdia, fui. Coordenava um programa de televisão documental, o Portugalmente, e estava convencido de que seria sensível a argumentos poeticamente juvenis.
Estava sentado numa mesa. À sua volta um séquito de amigos, admiradores, poetas com a ambição de reconhecimento, o habitual. Não tive coragem de me mexer do sítio onde estava. E, a certa altura, um tipo aparentemente fora de si dirigiu-se-lhe com uma urgência absoluta: «Herberto, por favor, lê isto. Lê e diz-me o que vale, suicido-me se não o fizeres». O autor dos Passos em Volta, com toda a tranquilidade do mundo, pegou no papel, leu com toda a atenção e, por fim, perante geral expectativa, deixou uma única palavra: «Suicida-te».
Terceiro, o taxista. Apanhou-me na semana passada duas vezes seguidas – levou-me a casa num dia, apanhou-me no outro de manhã. Como acredito que não há coincidências, confesso-lhe que o homem não tem sorte ao jogo. Como é evidente não lhe digo que tem o azar típico da maioria, o meu ou o seu se porventura também joga. Não, o homem tem mesmo azar. E contou-me porquê.
Joga todas as semanas desde que se conhece. Foi o totobola, bingo, raspadinhas, bacarás, máquinas, euromilhões. Uns prémios pequenos, umas linhas, uma coisinha ou outra, mas entre o deve e o haver uma desgraça. Em todos os jogos, para ganhar a terminação, o que gastava era sempre superior ao que recebia.
‘Deus, não quer nada comigo’, queixou-se. Lá o tentei animar, afinal o que contava não tinha nada de especial, o anormal seria se ganhasse. Ao parar o carro, pediu-me um minuto porque as coisas não eram tão simples. Contou-me então a história do único prémio que ganhou num sorteio na Feira Popular. Era jovem, fogoso, acabara de aportar em Lisboa. Tinha o sangue na guelra e jurou a si próprio que não sairia daquela noite sem uma namorada. Foi com um amigo, vestiu a melhor camisa, estava confiante. Parou na primeira barraquinha, apostou numa rifa. Para seu espanto o papel indicava-lhe que fora premiado com o mais distinto dos prémios.
‘Não te disse que isto hoje era tudo meu’, gritou para o colega. O dono da barraca deu-lhe os parabéns e cinco panelas para o futuro enxoval. Panelas que teve de carregar durante toda a noite provocando o riso e a fuga de todas as meninas que procuravam o mesmo que ele.
Paguei e saí. Com a cabeça ainda dentro do carro, partilhei o que me veio à cabeça: «A minha avó materna costumava dizer que já não se fazem panelas como antigamente. Nessa noite, teve sorte». Virei costas sem esperar a resposta. Não a queria ouvir.

IN "SOL"
120/02/13

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