This is the end
Paira no ar um sentimento de final de ciclo, de fim anunciado de
qualquer coisa – ou de tudo. Faz lembrar a ambiência típica do
fim-de-século (tanto do fim do século XIX, como do fim do século XX), em
que proliferaram anúncios do Apocalipse, a par do surgimento rápido de
seitas religiosas que prometiam proteção divina a quem a elas se
juntasse. O espírito finissecular tem, de facto, esta característica
dupla: com o derrotismo, o tédio de viver e a decadência coexistem a
euforia e a esperança em dias melhores.
Curiosamente é num início de século que estamos a assistir ao
regresso deste espírito. No fim do século XIX era o fim da Monarquia em
Portugal, a “morte de Deus” nietzschiana, a desilusão com os ideais do
Positivismo, e simultaneamente os alvores da República, o reforçar da
crença em Deus (veja-se os milagres de Fátima). Não é por acaso que são
do fim de Oitocentos obras como “O fim”, de António Patrício, “Finis
Patriae”, de Guerra Junqueiro.
Ora neste dezembro frio tem pairado de modo mais intenso esta
sensação de fim, que parece tocar todos os campos da nossa vida. É o fim
do jornal “A União”, é o fim do “Câmara Clara” (anunciado para o final
deste mês), é o fim da vida (só nesta semana deixaram-nos Joaquim
Benite, Dave Brubeck e Oscar Niemeyer) e, “last but not least”, até o
fim do mundo. É evidente que estes factos não estão todos ao mesmo
nível, nem podem ser perspetivados da mesma maneira.
As mortes de Benite, Brubeck e Niemeyer são perdas irreparáveis
para o teatro, a música e a arquitetura, mas perdas involuntárias, que
não dependem da vontade de terceiros. É sempre triste quando homens que
deram tanto à Cultura nos deixam. Mas outros virão, como nos ensina a
lei da vida e como atesta a existência de tantos novos talentos que por
aí vão despontando. É o renovar natural das gerações. Para além disso, a
obra que estes homens nos deixam nunca morrerá, o que é uma garantia da
sua perenidade nos nossos corações e na nossa vida cultural.
Já o fecho do jornal “A União” e o fim do programa “Câmara Clara”
da RTP 2 são atentados ao direito à informação e à cultura, já que
significam mais uma atrofia – voluntária – no cada vez mais exíguo
panorama jornalístico português. Tanto o jornal angrense como o programa
de Paula Moura Pinheiro prestam (prestavam) um serviço inestimável na
divulgação e na informação – uma regional, outra cultural – de um
público a quem a partir de agora passa a ser recusado este verdadeiro
serviço público que é o de fazer chegar aos sítios mais recônditos
aquilo que se passa nos Açores (na Terceira e não só), bem como o que
“mexe” na Cultura, portuguesa e não só. O “Câmara Clara” é dos poucos
programas na televisão nacional que dá protagonismo e voz aos agentes
culturais. Por ele têm passado artistas, ensaístas, críticos,
pensadores, que nos têm enriquecido com o seu saber e com a sua
experiência profissional e pessoal. Tirar-nos isto é tirar-nos o acesso à
Cultura e a quem a faz, a apoia, a mantém viva. É, portanto, tornar-nos
mais ignorantes. O serviço público de televisão fica assim
inaceitavelmente mais pobre.
O fim do Mundo não me preocupa tanto, tantos têm sido os anúncios
gorados. Interpreto-o simplesmente como um sinal dos tempos, um sinal do
desespero, da incerteza e da ansiedade que grassam nos dias que
correm.
IN "AÇORIANO ORIENTAL"
10/12/12
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