29/10/2012

ANA PALACIO

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 A Europa 
     e o alerta do Nobel


Numa decisão tão criticada como elogiada, o Comité Norueguês do Nobel galardoou o Prémio da Paz deste ano à União Europeia como reconhecimento das suas contribuições “para o avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa” nas últimas seis décadas. Mas até que ponto é que a Europa está preocupada com a “paz perpétua” e não com os seus males actuais e muito diferentes? Será este prémio um canto do cisne que confirma o estado moribundo do projecto europeu, tal como o Prémio Nobel de 2001 o foi para as Nações Unidas?
Ao anunciar o prémio, o comité explicou como “o trabalho da UE representa a fraternidade entre as nações”. Ao mesmo tempo que reconheceu que “a UE está actualmente a sofrer graves dificuldades económicas e perturbações sociais consideráveis”, sublinhou o papel da UE como um farol de esperança – uma âncora democrática, particularmente significativa para povos que viveram os horrores das ditaduras.

Mas foi precisamente o desencontro entre as conquistas passadas da UE e as suas preocupações actuais que provocou a ira e levou à sua rejeição por muitos europeus. É por isso que o prémio suscitou comparações com um Óscar de consagração da carreira, normalmente atribuído quando o galardoado está próximo da morte.

A decisão de fundar a UE foi uma resposta engenhosa aos maiores desafios da época – guerra e conflito. E, claro, o ressurgimento global do nacionalismo e do extremismo em todas as suas formas constitui uma lembrança potente, se alguma fosse necessária, de que a paz não deve ser tomada como certa. Mas a perspectiva de guerra na Europa parece agora uma ameaça remota, e o verniz dos sucessos passados da UE parece ter desaparecido, mesmo para os que não esqueceram as manchas de sangue que por ele foram cobertas.

Pelo contrário, é a falta que a Europa tem de uma visão e de um plano para o futuro – com os quais poderia enfrentar questões como o desemprego crónico, a fuga de capitais e a cada vez maior pressão da austeridade – que mantém as pessoas acordadas durante a noite e que fomenta o populismo, a consternação e a confusão interna.

A capacidade da UE de capitalizar – ou mesmo justificar – o prémio depende das suas perspectivas para resolver a crise da dívida soberana e do restabelecimento da confiança entre os seus países-membros. Mas, mais importante que isso, a UE precisa de restabelecer a sua atractividade, de que a prosperidade económica foi sempre uma parte integral. Apesar das falhas associadas à criação da zona euro, os itens mais urgentes da agenda Europeia dizem respeito à competitividade, ao emprego, à inovação e à tecnologia.

A primeira tarefa da Europa deveria ser aceitar a realidade: as economias emergentes estão a ganhar terreno em termos de inovação enquanto a UE perde força, com a China prestes a ultrapassar a Europa como o segundo maior pólo global para capital de risco, atrás apenas dos Estados Unidos. De facto, um estudo de 2012 pela Ernst & Young revela que um só pólo dos EUA (Silicon Valley) ostenta quase 12,6 mil milhões de dólares em capital de risco acumulado, enquanto o Reino Unido, o primeiro entre os países europeus, é responsável por cerca de 1,75 mil milhões de dólares e a Alemanha por 665 milhões de dólares.

Um estudo similar, desenvolvido em 2012 por Javier Santiso, professor na escola de administração ESADE de Barcelona e executivo de topo na Telefónica, nota que o investimento per capita da Europa em capital de risco no ano de 2011 foi apenas de 7 dólares, comparado com 142 dólares em Israel e 72 dólares nos EUA. Uma estatística igualmente reveladora é que apenas uma única empresa da zona euro, a espanhola Inditex (ZARA), conseguiu entrar no índice FT Global 500 desde 1996.

A investigação e desenvolvimento oferecem pouca consolação. Embora a investigação europeia tenha descoberto muitas novas tecnologias utilizadas em indústrias de todo o mundo, o seu historial recente é vacilante, no melhor dos casos, principalmente devido à dificuldade de traduzir ciência pura em vantagens industriais. A Europa está a perder a sua vantagem tecnológica, seja nas telecomunicações, na tecnologia ou na Internet, com as suas empresas a serem substituídas por outras provenientes dos mercados emergentes, enquanto os EUA permanecem dominantes. O índice NASDAQ confirma esta tendência perturbadora: apenas 15 empresas europeias estão aí referenciadas, comparadas com 498 dos EUA, 43 da China e 23 de Israel.Olhando para o futuro, a Europa deveria prestar boa atenção às consequências potenciais reveladas pelo último Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PIAA), que efectua uma comparação mundial do desempenho dos estudantes. Na matemática e na ciência, o último relatório do PIAA coloca a Ásia nos primeiros lugares, com a China, Singapura e a Coreia do Sul no topo. Entretanto, com algumas excepções – como o caso notável da Finlândia – a Europa descaiu e viaja agora no peloton (em espanhol no original – NdT).

A UE está, finalmente, a começar a entender que apostar o seu futuro nos serviços não será suficiente para salvaguardar o modelo socioeconómico europeu. Os governos dos Estados-membros e a última comunicação da Comissão Europeia, “Uma Indústria Europeia Mais Forte para o Crescimento e Recuperação Económica”, demonstram uma consciência da necessidade de revitalizar a política industrial da Europa. Tais esforços deviam traduzir-se rapidamente em mudanças legislativas, em áreas que vão da insolvência às patentes, dos esquemas de redução de emissões de CO2 às redes eléctricas “inteligentes”.

A Europa necessita urgentemente de consagrar a sua energia à revitalização dos alicerces da sua economia – a indústria, o capital humano e um quadro de políticas que promova o crescimento saudável e a prosperidade futura. Espera-se que o Prémio Nobel da Paz deste ano conceda um estímulo de orgulho que permita aos europeus ver para além dos seus problemas financeiros imediatos, consolidar os pontos fortes da União e estabelecer uma visão coerente do futuro. De outro modo, as melhores conquistas da UE permanecerão no passado.

Ex-ministra dos Negócios Estrangeiros de Espanha e antiga Vice-Presidente do Banco Mundial

Traduzido do inglês por António Chagas/Project Syndicate

IN "PÚBLICO"
25/10/12

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