17/10/2012

ANA CRISTINA CORREIA GIL





À deriva nos canais

Como jangadas sem rumo num mar de (im)possibilidades, assim têm andado os canais públicos da televisão portuguesa. E nem a nomeação de novo presidente do Conselho de Administração – Alberto da Ponte, o senhor das cervejas – deu novo ânimo à questão.

Pelo contrário, uma das primeiras decisões de Alberto da Ponte que foi ventilada nos meios de comunicação social foi a possibilidade de contratação da agência de comunicação Cunha Vaz & Associados para assessorar a RTP na comunicação. É um facto que este acordo não foi ainda formalizado, mas também é verdade que Alberto da Ponte não afastou semelhante cenário.
Ora, se tivermos em conta que até hoje a RTP nunca precisou de requisitar serviços externos para tal tarefa e que a estação até tem um gabinete interno para tratar do assunto, fica a questão: qual o objetivo desta movimentação, numa época em que a austeridade obriga a contenção?

Por outro lado, esta premência de a RTP ter uma agência de comunicação profissional a tratar-lhe da imagem e a cuidar do que de lá sai para o exterior é um sinal de que, de facto, tudo indica que a privatização está realmente a caminho, ainda que de modo encapotado.
Apesar de ultimamente o cenário estar forçadamente silenciado (o Ministro Relvas remeteu-se ao silêncio sobre o assunto e do Governo nada se tem ouvido sobre o tema), tudo está a ser lentamente cozinhado em lume brando. Brando o suficiente para não se dar por ele, enquanto a fervura se vai mantendo controlável.

Mas de vez em quando lá derrama um pouco a panela e o público apercebe-se de que o festim continua. Nestes últimos dias dois factos chamaram assim a atenção para o avançar do processo de aniquilação do serviço público de rádio e televisão: o primeiro foi a já referida aproximação à Cunha Vaz & Associados; o segundo, não menos importante e significativo, foi a demissão de Jorge Wemans, diretor da RTP2.
Wemans alegou como razão do seu afastamento da direção do canal 2 a dificuldade que encontrou na planificação de uma grelha para 2013 que assegure a prestação do serviço público. O ex-diretor sublinha a dificuldade de salvaguardar os princípios que definem o serviço público nos moldes em que o atual processo de privatização está a ser conduzido, já que, segundo ele, deixaram de se fazer encomendas de programas essenciais para a prestação desse serviço. Como se atesta, a estratégia adotada para aniquilar a RTP2 é ardilosa: levar a cabo o seu esvaziamento, retirando-lhe programas fundamentais como a divulgação e agenda cultural, os documentários, a ficção estrangeira, ao mesmo tempo que se planeia reduzir a programação infantil. Wemans sentiu-se claramente pressionado para descaracterizar a grelha do canal e reagiu como devia: bateu com a porta e afastou-se.

E assim se vai minando aquilo que não se pode destruir às claras, já que se viu – no anúncio-que-afinal-não-era-anúncio de António Borges do fecho da RTP2 e da concessão da 1 – que a reação da opinião pública não será muito boa e que a decisão pode resultar em maior impopularidade do Governo.
Os portugueses não se podem alhear deste atentado que se está a perpetrar. Como avisou Jorge Wemans, “a matriz da RTP 2 está totalmente em causa”. Haja alguém que garanta a sua conservação.

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
15/10/12

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