17/02/2012

JOÃO CARDOSO ROSAS



E se o PS…

A mobilização popular contra a austeridade em Portugal não é comparável com o que se passa na Grécia, sendo entre nós muito mais formal e disciplinada.

Isso deve-se ao facto de a esquerda portuguesa e o sindicalismo terem afastado há muito as tendências anarquistas e mesmo as correntes mais esquerdistas, substituídas pelo centralismo organizativo do PCP e da CGTP. No entanto, à medida que aquilo que o Governo pensa ser o combate à crise agrava a crise, como na Grécia, algo pode estar a mudar na mobilização popular em Portugal.

Parece haver cada vez mais pessoas da classe média e que não pertencem às áreas tradicionalmente convocadas pela esquerda centralista que começam agora a participar nas manifestações de rua. Se assim for, estas manifestações tenderão a ser menos politizadas e a transformar-se numa válvula de escape para a raiva e a revolta, ou num suplemento de alma para o desânimo e a depressão. Mas os novos indignados terá de acabar por ser politicamente mobilizados e cabe ao Partido Socialista fazê-lo.

Tal não tem acontecido devido à posição marcadamente pró-governamental do PS e da UGT. Note-se que, hoje em dia, são elementos afectos ao Governo quem mais elogia o comportamento "moderado" e "responsável" dos Socialistas e da UGT. Pelo contrário, são outros na direita - incluindo o Presidente da República, mas não só - quem tem criticado o Governo e as suas políticas com maior contundência. No entanto, as coisas podem mudar do lado do PS e da sua área de influência.

Em primeiro lugar, António José Seguro recordou numa entrevista recente que não foi ele quem assinou o memorando de entendimento. Isso é certamente um sinal de que a actual direcção do PS pode começar a distanciar-se do passado recente do partido. Na verdade, é inteiramente justo que o faça. O Estado português deve respeitar os seus compromissos. Mas a nova direcção de um partido não é refém das direcções anteriores. São coisas diferentes.

Em segundo lugar, aproxima-se o momento em que será público que o programa português, tal como o grego, não resultou e que será necessário novo programa. Nesta fase, o PS fica de mãos livres, na medida em que poderá dizer - o que é verdade - que sempre discordou do modo como o memorando foi aplicado (o "ir além da ‘troika'", o contrabando ideológico por debaixo da desculpa do memorando, etc.) e que avisou em devido tempo para os efeitos do excesso de austeridade.

Livre em relação ao seu passado, o PS pode optar por rejeitar novas medidas de austeridade, por favorecer uma renegociação da dívida, por formar assim uma verdadeira alternativa ao Governo, mobilizando os novos indignados e acabando com a sua orfandade política. Se o PS despertar, a política portuguesa tremerá.



IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
15/02/12

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