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A palavra idoso
devia ser proibida
Quando casei, a avó Joaquina ficou a viver em sua casa. Penso muitas
vezes que a devia ter levado, a avó tinha oferecido a vida para que
nunca me passasse pela cabeça que não era amado. Quando saí ela ficou
esvaziada como tantos dos nossos velhos, como nós um dia se não tivermos
a sorte de estar bem por nossa conta. Tenho carinho pelo nosso passado.
Não apenas o da história, mas também o dos que ainda estão vivos, dos
que devemos tratar com redobrado carinho. Detesto a palavra idoso ou
sénior, quando for velho quero amar cada uma das minhas rugas, não me
chamem coisas que parecem rebuçadinhos para me esquecer do que sou.
Ralhamos tanto por serem acumuladores. Alguns, para não serem
repreendidos, escondem o que guardam. O pacotinho de açúcar para a mala,
um rebuçado que tiram de todas as tacinhas que veem, qualquer coisa que
pode ser um presente para os netos, filhos ou uma amiga, um perfume que
não abrem por não se saber se poderão sair no próximo Natal. E as
bolachas, pacotes e pacotes de um lanche que se acumula numa gavetinha
ou saco, porque nunca se sabe.
Há uns dias a Ana vinha em lágrimas. Perguntei-lhe da razão e ela abriu
um saco antigo de pão com restos de bolacha Maria que a tia guardara. A
velha senhora sabia que a sobrinha adorava salame de chocolate que
jamais saberia ao mesmo sem aquelas bolachinhas esmagadas. Guardei-te
estas com muito carinho, minha filha – suspirou ao ouvido a tia que
ainda está, que ainda pode ser lembrada em vida, que ainda pode ser
celebrada.
* Jornalista, escritor.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 21/07/25.
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