12/01/2025

ISABEL MENDES LOPES

 .


O “entorse legislativo”
que te manda morar longe

Nas últimas duas semanas muito se tem escrito e dito sobre o Decreto-Lei 117/2024, vulgarmente chamado de “flexibilização da lei dos solos”. São muitas as vozes que têm alertado para os problemas deste diploma que permite alterar terrenos rústicos para terrenos urbanizáveis - desde contribuir para o desordenamento do território e para o aumento da dispersão urbana, para o aumento da especulação imobiliária, para potenciar a corrupção, para permitir a construção em áreas de risco, para contribuir para a perda de solos tão essenciais para os nossos ecossistemas, para a nossa agricultura, para a nossa saúde. E estes são todos riscos muito reais deste diploma que o Governo apresentou e o Presidente da República promulgou - apesar de o considerar um “entorse legislativo”.

Mas há um outro problema com este diploma, que não é novo. Já há uns meses, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, tinha respondido que o problema da habitação se resolve com um sistema de transportes públicos que permita chegar rapidamente ao centro das cidades, dando por certo que a gentrificação é inevitável. Ou seja, o Governo assume que é aceitável que os centros das cidades sejam para quem os pode pagar e que quem sofre os efeitos da gentrificação (que consideram inevitável, como se não dependesse de vontade política criar políticas públicas de combate à gentrificação) tenha de ir morar longe do sítio onde trabalha. Mas não é aceitável e nem sequer é desejável. As cidades mais saudáveis são aquelas onde a sua população é diversa, onde convivem e vivem lado a lado pessoas de várias origens, de diversos rendimentos, onde é possível viver perto de onde se trabalha. Por isso é tão relevante trabalhar para descer os preços inflacionados da habitação e garantir habitação acessível nos centros e nas periferias das nossas cidades.

Mas o que este DL 117/2024 vem trazer é mais uma peça nesta visão da política de habitação do Governo. Ao invés de se concentrar nos terrenos urbanizáveis que já hoje existem e onde ainda não há construção, na reabilitação das casas que já hoje estão construídas, na criação de incentivos reais para que as milhares de casas vazias que hoje estão desocupadas possam ser colocadas no mercado e no reforço da habitação acessível nos centros das cidades, o Governo opta por permitir a construção em terrenos rústicos reforçando a sua visão de uma política de habitação desigual e injusta.

Este DL não vem resolver o problema da habitação - aliás, agrava a enorme desigualdade que temos no acesso à habitação - e, ao contribuir para o aumento da dispersão urbana, vem ainda tornar mais difícil a existência de um sistema de transportes públicos eficiente, que o ministro das Infraestruturas e Habitação disse que seria solução para o problema da habitação. Ou seja, nem para a visão (errada) do Governo este DL 117/2024 serve.

Este diploma deve ser revogado. O Parlamento tem a oportunidade de o fazer neste mês de janeiro, saibam os partidos estar à altura do que o futuro do país lhes exige.

* Líder parlamentar do LIVRE

IN "DIÁRIO DE NOTICIAS" - 09/01/25.

Sem comentários:

Enviar um comentário