15/11/2024

MANUEL MOLINOS

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Vale tudo,
    desde que passe na TV

No filme “Manobras na Casa Branca”, de 1997, há um diálogo icónico que demonstra como se consegue manipular a perceção pública da realidade. A personagem Conrad Brean, interpretada por Robert De Niro, explica ao produtor de Hollywood Stanley Motss, encarnado por Dustin Hoffman, que a guerra que este tinha inventado para abafar um escândalo sexual envolvendo o presidente norte-americano, em vésperas de eleições, era mesmo real. “Se viste na TV, então é verdade!”.

Esse é o momento-chave do filme, que estreou um mês antes do início do escândalo Monica Lewinsky/Bill Clinton, que mostra como se pode criar uma realidade fictícia manipulando a opinião pública com uma série de estratégias comunicacionais. Não interessa se é verdade ou mentira. Se passou na televisão, então é verdade.

Levar o público a acreditar no que vê na televisão, e agora nas redes sociais, como se fosse uma verdade absoluta, ainda que seja fabricada, é a forma usada pelos políticos populistas. E mesmo com o crescimento de ferramentas de verificação de factos e com uma maior aposta no combate à desinformação, a estratégia mantém-se e revela-se vencedora.

É neste contexto que se enquadram as declarações de André Ventura sobre a morte de um recluso de 19 anos do Estabelecimento Prisional de Leiria. O líder do Chega associou o caso à falta de socorro do INEM. No entanto, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais garantiu que a morte se registou três dias depois do internamento do jovem no Hospital de Leiria. “Daqui resulta que o óbito nada teve a ver com questões respeitantes a atrasos no socorro a vítimas”, esclarece.

Mesmo assim, a denúncia foi abertura de telejornal, aumentando a desconfiança dos cidadãos em relação aos serviços de socorro, as dúvidas e a dor da família do jovem. Vale tudo, logo que passe na televisão.

* Jornalista, director digital editorial

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 15/11/24

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