24/09/2024

CÁTIA DOMINGUES

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Tupperware, uma empresa
                      dentro da caixa

Foi com espanto que recebi a notícia de que a Tupperware abriu falência. Eu podia apostar que a Tupperware era das empresas mais lucrativas do Mundo visto que as pessoas têm mais recipientes de plástico arrumados em casa do que Teslas na garagem. 

Como assim, “falência”? Como assim “falência”, quando a maioria da população, especialmente aquela faixa demográfica dos 18-35 que se diz superindependente - “Olha, deixa-me só meter estas cuecas sujas num saco, para depois dar à minha mãe no fim de semana” -, contribui há décadas para a multiplicação destes contentores de plástico? Por ano, quantos tupperwares compra, em média, uma mãe portuguesa, porque já sabe que todos aqueles que empresta com arroz de pato nunca mais os vai voltar a ver? 

Eu própria tenho um armário dos tupperwares. Foi aliás esse facto que definiu a minha entrada na vida adulta, o dia em que dei por mim a passar uma tarde a organizá-los. É o Tetris dos adultos. Estas caixinhas foram-se tornando, aliás, um símbolo popular do nosso país. Até criámos o nosso próprio vocábulo para designar estes recipientes: o tamparuére. E ele está enraizado na nossa matriz cultural. 

Posso não me lembrar de como fazer reduções matemáticas, mas nada me deixa apagar da memória uma cena de um antigo reality show da SIC, o “Masterplan”, em que Luís, namorado de Gisela Serrano, recebe uma bailarina exótica em casa e no final agradece dizendo “adorei o tamparuére”, referindo-se à “table dance” que recebeu. 

 Isto significa alguma coisa para nós. Os russos têm as matrioskas e nós temos o tupperware grande, onde cabem vários mais pequenos. Modéstia à parte, Portugal é um pouco superior, dado que nunca vi ninguém guardar meio empadão de carne dentro de uma bonequinha de madeira. 

O que é que terá dado cabo desta indústria? Terá sido, numa altura em que a saúde mental está tão na ordem do dia, o número de burnouts derivados de tentar encontrar as tampas correspondentes? É que o da tampa verde era aquele, mas agora não cabe! Ou será deste? Tu queres ver que encolheu na máquina? A falência será devido à incapacidade humana de conseguir lavar um recipiente de plástico em condições? É que isto é mesmo científico: é mais fácil limpar o oceano depois de um acidente com um petroleiro que um tupperware com restos de molho escabeche. Ou a falência deve-se muito ao próprio modelo de negócio da marca? É que a marca é das mais conhecidas mundialmente, mas o negócio dependeu sempre muito das mulheres que vendiam os seus produtos à comissão. E, mesmo sendo uma fonte de independência financeira, a verdade é que a protecção social e os vínculos laborais são cada vez mais valorizados. 

Eu tenho uma ideia que talvez possa salvar a empresa: para além de recipientes que armazenam e conservam alimentos, fazer também outras caixas que respondam a outras necessidades do dia a dia: Um recipiente reforçado em que dê para encaixar umas rodas para que, na próxima greve dos transportes, consigamos chegar a tempo ao emprego e que, ao tirarmos a tampa, possamos ficar com um descapotável para os dias com bom tempo. Outro que se consiga transformar em “chaise longue” para que, da próxima vez que tenhamos de ir a uma urgência, possamos esperar sentados confortavelmente. Uma caixa muito grande que tanto dá para conservar os restos de 17 leitões, como também fazer um T1 e deixar de morar num quarto com mais seis pessoas. De nada, Tupperware.

* Humorista

IN  "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 22/09/24.

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