15/04/2024

SARA GERIVAZ

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Geração 1000-enial                   

O assunto não é novo. Há décadas que se traça a radiografia dos jovens em Portugal e que se desenham tabelas e gráficos com base na evidência que a estatística traduz. Vidas colocadas em percentagem, números colocados em perspetiva, onde geralmente desaguam resultados infelizes sobre as condições socioeconómicas desta parte da população. O próprio conceito de “Geração 1000” já é conhecido. Só que agora, ao ser confrontada com as conclusões do estudo “Retrato da população jovem portuguesa: quem são, o que as/os move agora e quais são as suas expectativas”, apresentado na semana passada, no Porto, dei por mim confrangida, quase envergonhada. Também faço parte daqueles 65,6% que recebem menos de mil euros líquidos ao final do mês.

Por ter nascido no final do milénio, quando a Internet começou a crescer e a afirmar-se, os sociólogos definiram-me como millennial. Não será antes 1000-enial? É que basta olhar à minha volta para perceber que a realidade é transversal. Somos jovens, exaustos, mal pagos, sufocados pela realidade que todos conhecem, que todos criticam, mas que não muda. Não conseguimos sair do ninho antes dos 30 e, se saímos, sujeitamo-nos a partilhar casa com desconhecidos com quem podemos ter a sorte de criar relações de confiança, num totoloto de probabilidades. Acumulamos dois ou três empregos, queimando um número absurdo de horas de trabalho por dia, para evitar ter a corda ao pescoço. Muitos de nós têm vínculos precários, o que significa que nunca sabem quanto e quando vão receber. Uma despesa de que não estávamos à espera pode comprometer uma visita à família, que não vemos há semanas porque somos trabalhadores deslocados. Vivemos num dos países da União Europeia com menor taxa de natalidade, mas vamos adiando ter filhos à espera de estabilidade. Grande parte de nós já se convenceu de que dificilmente terá casa própria. Vivemos forçosamente o “carpe diem” porque, na verdade, não temos outra solução a não ser viver um dia de cada vez.

Para muitos, a enumeração pode ser um chorrilho de lamentos. Pode parecer mais do mesmo, mas não é. Apesar de tudo, somos jovens inconformados e com rasgo. Numa altura em que há um novo Governo que nos pisca o olho com uma mão-cheia de medidas, entre as quais a isenção do IMT e a garantia de financiamento a 100% na compra de casa, e que até entregou a uma millennial o recém-criado Ministério da Juventude e da Modernização, temos de aproveitar a janela de oportunidade. De facto, e citando o primeiro-ministro, “queremos construir em Portugal o nosso projeto de vida”. Convém é que seja enquanto ainda somos jovens.

* Jornalista

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS" - 15/04/24,

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